Desafios no manejo e reabilitação de pinguins
- Projeto Bióicos
- 15 de set.
- 7 min de leitura
Autores: Catarina Amazonas, Filipe G. R. C. Neves e Raphaela A. Duarte Silveira

Pinguim da espécie Spheniscus demersus pinguim-africano, em reabilitação na África do Sul. Fonte: Grant Peters/Flickr (CC BY 2.0).
Os pinguins são aves marinhas migratórias que enfrentam ação antrópica tanto em seus locais de reprodução quanto em locais de alimentação. Esses animais são muito sensíveis a alterações ambientais e frequentemente são encontrados naufragados em condições precárias de inanição, contaminação e exaustão. Das 18 espécies existentes, 10 estão presentes na lista vermelha da International Union for Conservation of Nature and Natural Resources (IUCN) e classificadas como vulneráveis ou ameaçadas.
O resgate dessas aves apresenta diversos desafios, cujos estudos voltados à sua reabilitação ainda estão sendo realizados. Neste sentido, melhores oportunidades de reintrodução ao habitat natural e de preservação das espécies são alcançadas com o aperfeiçoamento das técnicas de manejo.
AMEAÇAS E O PROCESSO DE RESGATE
Atualmente, existem diversos centros de resgate e reabilitação de aves marinhas, desde o Brasil até à Argentina, distribuindo-se por todo o litoral sudeste do continente sul-americano. Tais centros são responsáveis por avaliar os indivíduos mortos que surgem naufragados, determinando a causa da morte, idade, sexo e conteúdo estomacal. A coleta dessas informações serve para a compreensão das dinâmicas populacionais das espécies a longo prazo, além de auxiliar na elaboração de estratégias de conservação.
O resgate e a reabilitação de pinguins ocorrem a partir de diversos motivos, desde ataques por predadores até a interferência humana. Alguns destaques são a poluição plástica, responsável por causar obstruções no trato gastrointestinal e intoxicação, o enredamento em redes de pesca e a poluição por petróleo, que afeta diretamente a impermeabilidade das penas, característica que torna as penas resistentes à água.
Um estudo realizado no Brasil e na Argentina, ao avaliar cerca de 8.200 km de costa, constatou que os pinguins são particularmente vulneráveis a derrames de petróleo, visto que nadam perto da superfície da água e não voam, sendo assim, menos capazes de detectar e evitar o óleo, em comparação com outras aves marinhas.
Em vista disso, a causa mais recorrente de ingresso em centros de reabilitação é a contaminação por óleo. O tratamento envolve a estabilização das condições vitais, seguida pela limpeza para remoção do contaminante. No melhor dos casos, as aves podem ser reintroduzidas ao habitat natural após alguns dias de monitoramento. Porém, muitas vezes a contaminação compromete sua capacidade imunológica, quando os pinguins desenvolvem hipotermia e se tornam vulneráveis a parasitas, determinando uma reabilitação mais longa e difícil.
A captura acidental com redes de arrasto também apresenta um impacto para as populações de pinguins, gerando um alto índice de mortalidade. Além disso, essas aves possuem uma alimentação e alcance de forrageamento (procura por recursos alimentares) limitados, uma vez que não voam, sendo que algumas espécies têm preferência por itens alimentares específicos. O pinguim-de-Magalhães Spheniscus magellanicus encontrado no litoral brasileiro, por exemplo, consome os peixes pelágicos - que habitam a coluna d’água - típicos da região. Dessa forma, a sobrepesca e a comercialização desses peixes podem ser uma ameaça aos pinguins.

Pinguins da espécie Eudyptula minor pinguim-azul no Zoológico WildLife Sidney Zoo, na Austrália. Fonte: Ank Kumar/Wikimedia Commons (CC BY-SA 4.0).
PODODERMATITE EM PINGUINS
Também conhecida como bumblefoot, a pododermatite é uma infecção da superfície plantar do pé. Trata-se de um quadro muito comum na reabilitação de pinguins, embora não seja exclusivo dessas aves. Essa infecção se apresenta com uma calosidade ou inchaço nos pés, evoluindo para ulcerações e abrasões. Se não tratada, a pododermatite se espalha pelos ossos, disseminando-se pela corrente sanguínea e ocasionando a morte do animal.
No geral, os fatores que contribuem para o surgimento da infecção estão relacionados ao manejo inadequado. Pinguins em ambientes controlados, como centros de reabilitação ou zoológicos, passam menos tempo nadando e mais tempo sobre os pés. Por esse motivo, a escolha do substrato desses centros é fundamental. Pisos porosos ou de concreto liso aumentam as chances de contaminação, uma vez que retêm mais água e sujeira. Por outro lado, pisos de cascalho e/ou projetados com declividade, facilitam o escoamento da água.
Além disso, aves que estão em sobrepeso ou que tem um baixo grau de atividade são mais vulneráveis. Assim, é crucial que as instalações implementem medidas de enriquecimento ambiental, com o intuito de promover a mobilidade dos animais e minimizar a permanência prolongada em repouso. Da mesma forma, deve haver um monitoramento do peso corporal dos indivíduos.
Para tratar e prevenir essa infecção, alguns centros de reabilitação optam por aplicar uma faixa nos pés dos pinguins, uma vez que algumas cepas bacterianas da pododermatite têm se mostrado cada vez mais resistentes a antibióticos como penicilina, gentamicina e enrofloxacina.
Podemos citar o Centro de Reabilitação, Despetrolização e Análise de Saúde de Fauna Marinha (CReD), vinculado ao Projeto de Monitoramento de Praias da Bacia de Santos (PMP-BS). Essa instituição resgata aves marinhas e desenvolveu um tipo de chinelo para os pinguins, com o intuito de evitar a pododermatite. Segundo Marcillo Altoé, o médico veterinário responsável pelo CReD, o objetivo principal é reabilitar a fauna marinha para retorno à natureza, mas o Centro também pretende testar novas tecnologias e procedimentos que possam melhorar a vida dos pinguins durante o tratamento.
Inicialmente, os antibióticos eram utilizados após o procedimento de desbridamento cirúrgico, para tratar a infecção. Porém, novos métodos estão sendo estudados, como a terapia fotodinâmica, cuja técnica é baseada na interação de luz, oxigênio e um agente fotossensibilizador, a fim de destruir seletivamente tecidos.

Soltura de pinguins-africanos reabilitados, por membros do projeto 350.org, na África do Sul. Fonte: 350org/Flickr (CC BY-NC-SA 2.0).
MANEJO, REABILITAÇÃO E PERSPECTIVAS FUTURAS
A Dra. Erica Miller é uma veterinária renomada que atua na reabilitação de animais silvestres. Em um de seus trabalhos mais notáveis, o manual Minimum Standards for Wildlife Rehabilitation (2012), Miller descreve o protocolo para reabilitação de animais. Este pode ser aplicado para diversas espécies, inclusive de pinguins. Adicionalmente, o protocolo de tratamento de pinguins afetados por petróleo, elaborado por Silva Filho e Ruoppolo (2007), também destaca-se como uma excelente ferramenta para as instalações que resgatam essas aves.
Segundo esses protocolos, ao admitir animais em centros de resgate, o primeiro passo é coletar informações sobre o indivíduo e o local em que foi encontrado. Em seguida, o animal deve ser registrado, geralmente com uma anilha na nadadeira. Após os exames necessários e a estabilização do animal, os médicos veterinários se encarregam da pesagem, coleta de sangue, avaliação da temperatura corporal e frequência cardíaca, dentre outras análises.
Durante a reabilitação, os pinguins são mantidos em um local com área seca e piscina. Esse ambiente deve ser higienizado frequentemente, para evitar a propagação de doenças. Além disso, por se tratarem de aves gregárias - que vivem em bandos -, os pinguins devem ser acolhidos em grupos, o que estimula o comportamento natural da espécie e alivia o estresse.
No que diz respeito à dieta, as variações dependem da espécie e da condição física. Para aves com problemas respiratórios, por exemplo, recomenda-se dietas com alto teor de gordura e baixo teor de carboidratos. No entanto, o IBRRC (International Bird Rescue Research Center) indica uma alimentação rica em proteínas e gorduras para a maioria das aves marinhas em situação de estresse e baixo peso.
O processo de reintrodução propriamente dito deve levar em consideração o risco de transmissão de doenças e a entrada de novos patógenos na natureza. Por isso, os médicos veterinários precisam se certificar de que o animal está em ótima saúde para retornar ao seu habitat. Além disso, deve-se estudar a época do ano e o local de soltura, visto que muitas espécies são migratórias, como o pinguim-de-Magalhães Spheniscus magellanicus.
Os indivíduos que não podem ser reintroduzidos na natureza comumente são transferidos para aquários e zoológicos, onde atuam como instrumentos de conscientização ambiental ou em projetos de reprodução, auxiliando na restauração de espécies ameaçadas de extinção.
É necessário que novas tecnologias continuem sendo estudadas para aprimorar o manejo de pinguins em centros de reabilitação e que sejam implementados programas de pesquisa e monitoramento de pinguins naufragados. No que tange a derramamentos de petróleo, a conscientização ambiental é fundamental, bem como a fiscalização e punição adequadas, a fim de promover as leis de conservação ambiental.

Pinguim da espécie Aptenodytes patagonicus (pinguim-rei), em vida livre. Fonte: Henry Ordoñez/Flickr (CC BY-NC 2.0).
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