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O impacto da captura incidental nas espécies marinhas

Atualizado: 3 de out. de 2022

Autores: Luane Rodrigues; Fernanda Cabral Jeronimo, Thais R. Semprebom, Raphaela A. Duarte Silveira e Douglas F. Peiró


Fotografia de uma tartaruga presa em um rede de pesca, o animal encontra-se com a parte ventral para cima e suas nadadeiras estão atadas a rede de pesca.

Tartaruga presa às redes, registro de 2018 em Tabatinga - Caraguatatuba/SP. Foto gentilmente cedida por: Marina Leite/ VIVA Instituto Verde Azul.



Por definição, a captura incidental (bycatch no Inglês) é qualquer captura realizada por atividades de pesca das quais as espécies capturadas não correspondem ao tamanho ou não são alvos da prática, como corais, esponjas, aves marinhas, tartarugas marinhas e mamíferos marinhos. Utiliza-se o termo incidental para ser mais explicativo, definindo um acontecimento inesperado.


Segundo a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998), matar, perseguir, caçar e/ou apanhar animais selvagens, nativos ou migratórios, sem autorização ou licença de órgãos específicos e responsáveis, é um crime contra a fauna e prevê penalidades para quem executar tal ato. As capturas de animais marinhos são classificadas como comercial e legal - aquela na qual a espécie pode ser capturada e comercializada, como as anchovas - , não comercial e legal - animais que são capturados por meio da pesca esportiva, como o marlin-azul - e não comercial ilegal - espécies que são capturadas, mas não podem ser capturadas e comercializadas, como o peixe piau verdadeiro.


Segundo a Lei de Proteção à Baleia (nº 7.643 de 18 de fevereiro de 1987), a pesca de qualquer cetáceo é proibida no Brasil, assim como a pesca de tartarugas, tubarões e raias (Portaria do Ibama, nº. 1.522, de 19 de dezembro de 1989) são classificadas como captura comercial ilegal, porque é de interesse comercial, existindo em todo o mundo o consumo e o tráfico do animal e dos produtos que derivam delas.


Para entender a relação do impacto da captura incidental no ambiente marinho, precisamos compreender que a diminuição da fauna aquática, em muitos casos, está relacionada à degradação causada pela sobrepesca. Sabemos que os estuários e águas costeiras, além de serem áreas onde a pesca é realizada, são ecótonos, ou seja, ambientes de transição que interagem com o ambiente marinho. Nesses mesmos ambientes, os animais marinhos têm um contato direto com as ações antrópicas, que geram uma grande degradação desses habitats, sendo assim, a degradação de um desses ecossistemas têm impacto sobre o outro.


Fotografia de um barco de pesca de camarões, ele possui grandes hastes que seguram as redes que serão colocadas na água.

Barco equipado para a pesca de arrasto no Mississipi, sendo os camarões a espécie-alvo. Fonte: dasforrest/Need Pix (CC0).



PRINCIPAIS ESPÉCIES AMEAÇADAS PELA BYCATCH: A PESCA INCIDENTAL


As tartarugas marinhas têm como principal ameaça à sua sobrevivência a captura incidental, sendo a pesca de arrasto do camarão e pesca com espinhel as duas modalidades que mais atingem as tartarugas. Elas ficam presas nas redes, não conseguindo retornar à superfície para respirar e morrem afogadas, ou podem deglutir ou se prender em anzóis, o que também compromete o seu ciclo de vida.


Fotografia da cauda de uma toninha-comum presa a rede de pesca. O animal está sendo retirado da água, é possível ver suas nadadeiras submersas e diferentes partes da rede envolver o corpo do animal.

Toninha-comum Phocoena phocoena, espécie encontrada no hemisfério norte, com a cauda presa em uma rede de pesca. Fonte: Uğur Özsandıkçı/ResearchGate (CC BY 4.0).



As toninhas Pontoporia blainvillei, uma espécie de cetáceo endêmica da costa leste da América do Sul, costumam viver em águas estuarinas e costeiras e, por isso, são suscetíveis à pesca de emalhe. O Rio Grande do Sul é um dos estados da região Sul do Brasil onde há frequentes encalhes de indivíduos de toninha mortos por emalhamento, porém esse cenário é recorrente em outras regiões do Brasil, como no Sudeste. O boto-cinza Sotalia guianensis, na Baía da Babitonga, costuma aparecer nas redes de emalhe com mais frequência do que as toninhas, devido à interação direta desses animais com a pesca.


Aves marinhas, como os albatrozes, também são atingidas pela captura incidental, principalmente a pesca com espinhéis. Os animais costumam se aproximar para consumir a presa que está atada ao espinhel e acabam enroscados, morrendo afogados por não conseguir retornar à superfície.


Os corais e outros organismos bentônicos são afetados principalmente pela pesca de arrasto, conhecida como captura acessória. Esse tipo de prática arrasta os sedimentos de fundo, levando junto a fauna bentônica como os corais, e prejudicam a camada rica de carbono que está presente no assoalho oceânico, deixando essa substância suspensa na água. Dessa forma, o carbono leva um longo tempo para descer até a porção mais profunda e pode ser arrastada pelas correntes marítimas para outros lugares, longe dos microrganismos que dependem desse carbono.


Fotografia das redes que são utilizadas a pesca, a rede superior possui uma coloração amarela e a inferior, azul claro. É possível visualizar os flutuadores em cor avermelhada.

Redes que são utilizadas para a pesca. Fonte: Miemo Penttinen/Flickr (CC BY 2.0).



ALTERAÇÕES COMPORTAMENTAIS DA CAPTURA INCIDENTAL


Primeiramente, a comunicação com os pescadores sobre as ações de conservação é muito importante, porque muitas populações caiçaras dependem da pesca como sua fonte de renda. Envolver essas comunidades em ações e pesquisas gera benefícios para ambos, pois os pescadores possuem grandes conhecimentos da região e da prática, enquanto os pesquisadores podem implementar ações sem impactar negativamente a comunidade local.


Segundo o trabalho de Desvaux (2013), alguns dos pescadores entrevistados, conseguiram relatar os comportamentos de alguns animais próximos a redes de pesca, como por exemplo os indivíduos estarem alimentando-se próximo às redes, nadando junto às ondas das embarcações e/ou tentando capturar as iscas colocadas nos anzóis.


Indivíduos juvenis de algumas espécies, como P. blainvillei possuem um comportamento diferente dos animais adultos e ficam mais suscetíveis à captura incidental. Esses animais jovens podem ter uma curiosidade e/ou inexperiência em relação às redes de pesca, assim como podem utilizar habitats diferentes dos adultos, ficando mais suscetíveis à captura incidental. Já outras espécies, como S. guianensis, os adultos são emalhados com maior frequência por conta do cuidado parental, no qual os filhotes e juvenis costumam ficar em lugares mais resguardados, enquanto os adultos frequentam locais com a atividade de pesca mais intensa.


Estimativas demonstram que 40% de toda a pesca é incidental e que esta prática costuma deixar mais de 640 mil toneladas de material pesqueiro no ambiente marinho, como pedaços de redes e boias - chamada de pesca fantasma.


Por fim, a utilização de medidas mitigadoras como toriline, isca azul, pingers - dispositivos acústicos, afastam os animais das redes de pesca e essas técnicas não impedem os pescadores de realizar a prática pesqueira, que em muitos locais é sua única fonte de renda.


A regulamentação e fiscalização sobre as atividades de pesca devem ser intensificadas para que aconteça uma redução no número de captura de animais que não são foco da atividade. Também é importante conhecer os comportamentos dessas espécies para identificar alterações no forrageio, movimentação, reprodução entre outras, a fim de melhorar as ações de conservação para as espécies.



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