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Ações mitigadoras de impactos ao ambiente marinho

Autores: Fernanda Cabral, Lucas Rodrigues da Silva, Aline Pereira Costa, Raphaela A. Duarte Silveira e Douglas F. Peiró



Imagem no fundo do mar de um mergulhador segurando uma rede, presa à cauda de uma cachalote. Na foto, somente a cauda e a porção terminal do dorso são exibidas, ambas enroscadas em uma rede.

Atualmente existem diversos métodos que buscam minimizar os impactos ambientais no ambiente e nos animais marinhos: são as chamadas ações mitigadoras. Fonte: Lauren Packard/Flickr (CC BY 2.0).



O ser humano possui uma histórica e intrínseca relação com o litoral e os sambaquis, um dos mais antigos registros de ocupação litorânea, são a prova disso. Consistem em montes criados artificialmente a partir da deposição de restos de seres vivos, como conchas e ossos de aves, uma vez utilizados para alimentação de povos que ali se estabeleceram. Com o passar de milhares de anos, os sambaquis tornaram-se monumentos que serviram de acampamento, cemitério e até mesmo marcos paisagísticos. A história da ocupação litorânea continua com a colonização brasileira, onde os colonizadores chegaram em terra, primeiramente, por via marítima, instituindo núcleos de povoamento que, mais tarde, formaram grandes metrópoles. A facilidade de exportação e transporte, a oferta de alimento e as belas paisagens foram e continuam sendo atrativas à população, que atualmente cresce sem ordenamento na linha de costa.



QUAL O PREÇO DISSO?


As regiões litorâneas são complexas por serem ecótonos (ambientes de transição, nesse caso entre o mar e o continente). Por sofrerem interações terrestres, oceânicas e atmosféricas, os litorais são umas das regiões com a mais intensa troca de energia do planeta. Assim, os impactos causados pela ocupação humana alteram não só um, mas diversos fatores ambientais que regulam todo o ecossistema marinho. Os impactos podem ser:

  • Meio físico: modificação de relevo, aumento nos processos erosivos, assoreamento, alteração da qualidade da água, do ar e do solo, compactação do solo, supressão de vegetação e regiões de praia.

  • Meio biótico: destruição e/ou fragmentação de habitat, fuga e/ou perda de espécimes, destruição da comunidade bentônica, alteração da cadeia alimentar.

  • Meio antrópico: aumento da poluição visual e sonora, aumento de tributos, alteração de formas de uso do solo, alteração e/ou perda de patrimônios históricos.


Fotografia de descartes inadequados no ambiente de praia. Em primeiro plano está a areia da praia, com alguns folhas de restinga e descartes plásticos como garrafas e uma lâmpada de vidro. Ao fundo percebe-se a espuma branca do mar e uma cadeia montanhosa.

A ocupação humana desenfreada e desordenada acarreta em graves impactos ao ambiente marinho, muitas vezes irreversíveis. Fonte: epSos.de/Wikimedia Commons (CC BY 2.0).



E TEM SOLUÇÃO?


Todos esses impactos realizados há centenas de anos certamente acumulam danos ao funcionamento dos ecossistemas, por vezes a níveis irreversíveis. É aí que entram em cena as ações mitigadoras: o desenvolvimento de ações e mecanismos que possuem o objetivo de evitar e até mesmo minimizar impactos negativos no ambiente.


É importante salientar que o resultado, que é o modelo de ação a ser considerado, só poderá ser formulado a partir de uma avaliação e um estudo ambiental prévio, indicando as áreas degradadas e quantificando os impactos que já ocorrem, para que a ação adequada seja tomada. Isso porque existem diversos tipos de medidas mitigadoras:

  • Preventivas: são ações que precedem os impactos negativos, buscando minimizar ou até mesmo erradicar potenciais danos.

  • Corretivas: propõe a reconstrução do cenário já impactado, visando o retorno a um ambiente equilibrado, a partir do controle ou eliminação do agente causador do impacto.

  • Compensatórias: têm como objetivo repor os serviços ecossistêmicos prejudicados ou perdidos, como plantio de mudas para compensar a supressão vegetal.



AÇÕES MITIGADORAS VOLTADAS AOS ANIMAIS MARINHOS


O ambiente marinho sofre constantemente com ações antrópicas em diversas partes do mundo e muitas delas já são de conhecimento geral e científico, como a poluição pelo lixo, principalmente pelo plástico. Por isso, ações mitigadoras continuam a ser desenvolvidas e muitas já estão em prática.



A histórica interação entre cetáceos e seres humanos nem sempre foi harmoniosa devido à caça. Apesar de atualmente existirem muitos esforços direcionados à conservação desses animais e também interações positivas com pescadores, os cetáceos sofrem com ameaças modernas, principalmente o enredamento em artefatos de pesca e a captura intencional.

Dentre as ações mitigadoras voltadas à conservação dos cetáceos, estão o monitoramento dessas interações. Caso o monitoramento identifique uma área específica ou uma época do ano onde haja alta probabilidade de captura, o uso de artefatos de pesca deve ser limitado ou proibido. E, mesmo que não existam grandes chances de captura, o risco pode ser minimizado com o acoplamento de alarmes acústicos às redes de pesca. Os sons emitidos são identificados principalmente pelos odontocetos, que se afastam. Já em casos específicos, como berçários reprodutivos, a criação de Áreas de Proteção Ambiental (APA) asseguram a perpetuação da espécie e também a pesca artesanal no local, sob regras específicas de atuação.


Fotografia de um emalhe de uma vaquita a uma rede de pesca. Na foto, tirada da cauda, é possível ver o corpo arredondado e cinza do animal, assim como a nadadeira peitoral e dorsal, completamente enrolados em uma rede de pesca. O indivíduo está sendo contido por uma pessoa, dentro de um barco.

Indivíduo da espécie Phocoena sinus, conhecido como vaquita, preso a uma rede de pesca. A vaquita é a espécie de cetáceo mais ameaçada do mundo, restando apenas cerca de 30 indivíduos. Fonte: NOAA Fisheries West Coast/Flickr (CC BY-NC-ND 2.0).




Apesar de ser muito comum nos depararmos com notícias de plásticos encontrados no sistema digestivo desses animais, a principal causa do declínio populacional de tartarugas marinhas ao redor do mundo é a pesca incidental. Por isso, muitas das ações mitigadoras são voltadas às artes de pesca.


As redes de arrasto são utilizadas com o objetivo de capturar, principalmente, o camarão (espécie-alvo), mas outras espécies também são capturadas (fauna acompanhante) e, muitas vezes, são descartadas. O mesmo ocorre com as tartarugas marinhas, que acabam por morrer afogadas por não encontrarem saída. Com o objetivo de reduzir a mortalidade, o TED (Turtle excluder device ou Dispositivo exclusor de tartarugas) foi desenvolvido em 1980, e consiste basicamente em uma barreira com porta de saída para as tartarugas marinhas, localizada antes do fundo da rede, que não atrapalha a captura dos camarões.


Estudos demonstram que o uso do TED pode reduzir a captura de tartarugas marinhas em até 97%. No Brasil, a portaria do IBAMA nº 149, de 21 de novembro de 2002 determina que embarcações de arrasto de camarão com mais de 11 metros de comprimento são obrigadas a usar o dispositivo TED.


Fotografia de uma tartaruga nadando para fora de uma rede de pesca. No fundo da foto e da rede está um dispositivo metálico, oval e com grades, o chamado TED. Preso à ele está a rede e, logo abaixo, nadando para fora dela, uma tartaruga marinha.

Tartaruga-cabeçuda Caretta caretta saindo da rede de pesca graças ao TED. Fonte: U.S. National Oceanic and Atmospheric Administration/Wikimedia Commons (CC0).



A captura incidental também ocorre na pesca com anzol, como no espinhel, cujas espécies-alvo são peixes espadartes e atuns. Consiste em uma grande linha (linha-mãe), por vezes com quilômetros de comprimento, de onde partem linhas secundárias com anzóis. As iscas presas aos anzóis podem atrair e capturar espécies não-alvo, como as tartarugas marinhas. Pensando na diminuição da captura, foi desenvolvido o anzol circular: um anzol mais arredondado, maior e com a ponta afiada para dentro, diferente do anzol em “J”, o mais comum.


Fotografia comparando o anzol em "J", à esquerda, e o anzol circular, à direita. O anzol em J tem o formato da letra em si: uma parte mais retilínea, que se prende à linha, e a ponta, que fisga a presa, em meio círculo, virada para cima. Já o anzol circular é maior e mais arredondado, e a ponta fica virada para dentro.

Diferença do anzol em “J” e do anzol circular. Fonte: Western Pacific Regional Fishery Management Council/Wikimedia Commons (CC BY-SA 3.0).



Essa simples troca pode reduzir severamente a captura incidental de tartarugas marinhas, em até 53% para algumas espécies, sem afetar a pesca. Isso acontece porque o anzol circular, que é maior, na maioria das vezes fica preso à boca, sem ser deglutido, o que aumenta as chances de sobrevivência. Além disso, a ponta virada para o interior do anzol também reduz o número de tartarugas fisgadas.




Das 96 espécies de aves marinhas e costeiras que ocorrem no Brasil, pelo menos 20 delas interagem negativamente com a pesca de espinhel, ao tentar se alimentar das iscas presas aos anzóis e dos descartes da pesca. Essa interação afeta, especialmente, os albatrozes e os petréis, que possuem um crescimento populacional lento.


Esse cenário pode ser revertido com medidas simples, como o toriline, que consiste em fitas coloridas penduradas na linha principal do espinhel. Essa técnica, desenvolvida por pescadores japoneses, reduz a captura em até 80% porque as fitas incomodam as aves e elas se afastam, mesmo quando a isca é visível. Além disso, pescar à noite (largada noturna) pode reduzir o número de capturas em até 96% quando comparada à pesca diurna. Isso se deve pelo fato de que a maioria dessas aves marinhas se alimentam durante o dia. O uso simultâneo do toriline e do anzol circular, em conjunto com largadas noturnas pode praticamente zerar o número de capturas incidentais de aves marinhas.


Fotografia do toriline em uso durante uma pesca de espinhel. Na foto, tirada em alto mar, é possível ver uma linha central repleta de pequenas fitas coloridas, o toriline. Abaixo está o mar revolto e, mais ao fundo, o céu com aves, longe da linha de pesca.


O desenvolvimento de ações mitigadoras e a colocação das mesmas em prática possibilita uma convivência harmônica entre o ser humano e os animais, de forma que as atividades profissionais não sejam prejudicadas e evitando a captura e morte incidental de espécies marinhas, principalmente as ameaçadas de extinção.




Bibliografia


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