top of page

A história da caça à baleia-franca-austral no Brasil: da exploração à conservação

Autoras: Jessica Nunes, Raphaela A. Duarte Silveira e Raphaela Alt Müller


Figura ilustrativa das três espécies de baleias-francas que existem no mundo sendo possível observar as diferenças entre elas. De cima para baixo temos: baleia-franca-do-atlântico-norte (Eubalaena glacialis); baleia-franca-do-pacífico (Eubalaena japonica); baleia-franca-austral (Eubalaena australis).

Espécies de baleias-francas existentes (de cima para baixo): baleia-franca-do-atlântico-norte Eubalaena glacialis, baleia-franca-do-pacífico Eubalaena japonica e baleia-franca-austral Eubalaena australis. Fonte: NOAA/Wikimedia Commons (CC0); Governo Federal dos EUA/Wikimedia Commons (CC0) e Mariomassone/WikimediaCommons (CC BY-SA 3.0).



A baleia-franca pertence à infraordem Cetacea e ao gênero Eubalaena (Eu = verdadeiro; balaena = baleia, isto é, baleias verdadeiras). Além de serem grandes mamíferos marinhos, possuem um aparelho bucal constituído por barbatanas, ou seja, placas flexíveis de queratina. Sua principal forma de alimentação é por filtração e o krill é essencial para a dieta desses animais. No mundo, existem apenas três espécies de baleia-franca: Eubalaena glacialis (baleia-franca-do-atlântico-norte), Eubalaena japonica (baleia-franca-do-pacífico) e Eubalaena australis (baleia-franca-austral) de ocorrência restrita ao hemisfério sul. Infelizmente, ao longo da história, esses gigantes foram caçados e tiveram suas populações reduzidas drasticamente. Dado esse contexto, o presente artigo abordará o histórico de caça da baleia-franca-austral no Brasil.



CAÇA ÀS BALEIAS: UM BREVE HISTÓRICO


A prática de caça às baleias teve sua origem há mais de 4.000 anos com os povos indígenas do Ártico, os quais aproveitavam todas as partes do animal como a carne, gordura, óleo, ossos e barbatanas, de forma sustentável. A partir dos séculos XVIII e XIX a caça se intensificou, pois era uma atividade lucrativa, já que o óleo de baleia era um combustível de longa duração. Com a crescente demanda por produtos de origem animal, as populações de baleias começaram a desaparecer. Assim, a caça deixou de ser uma atividade sustentável e passou a ter um caráter predatório. Vários países como os Estados Unidos, Brasil e povos Bascos aderiram à caça comercial. Muitas espécies foram caçadas, com destaque para Eubalaena glacialis, Eubalaena japonica e Eubalaena australis. A E. glacialis tem sua área de ocorrência restrita ao hemisfério norte e, por isso, teve uma caça intensa por países como os Estados Unidos. Com ocorrência restrita ao oceano Pacífico, a E. japonica tem uma população que não ultrapassa 100 indivíduos. Por último, a E. australis predominante no sul da América foi caçada no Brasil até 1973.


A baleia-franca é uma espécie com natação lenta e comportamento considerado 'dócil'. Conhecida como right whale (baleia certa, em tradução livre), foi chamada assim por ser a espécie ideal para a caça, devido à sua facilidade de aproximação pelos baleeiros e à falta de resistência. Com uma camada de gordura de 40 cm, ela é a baleia mais espessa em termos de gordura, que era derretida para a produção de óleo. Uma única baleia-franca de 40 toneladas podia fornecer até 16 barris de óleo, cerca de 6.800 litros, usado como combustível para lamparinas. Sua língua era considerada uma iguaria elitizada, e sua exportação para os países europeus gerava grandes lucros. Embora a carne não fosse muito aproveitada, suas barbatanas eram utilizadas na fabricação de espartilhos, que eram populares entre as mulheres da época.



HISTÓRICO DA CAÇA NO BRASIL


No Brasil Colônia, em 1602, a coroa portuguesa, sob o reinado de Felipe III, autorizou o início da caça à baleia-franca-austral na Baía de Todos os Santos. O litoral brasileiro era visitado por uma grande quantidade de baleias. Por isso, Pêro de Urecha, um homem com experiências práticas nas “pescarias do norte”, chegou ao Brasil com a missão de ensinar os métodos de caça e introduzir o país nas atividades baleeiras.


A baleia-franca-austral, por ser uma espécie de hábito costeiro, com pouca resistência à aproximação humana e natação lenta, tornou-se o foco principal da caça no território brasileiro, especialmente nas regiões Sul e Sudeste. As baleias eram capturadas com arpões manuais e processadas em estações terrestres chamadas de “armações”, que estavam espalhadas do Rio de Janeiro até Imbituba, em Santa Catarina. Nessas estações, o descarne das baleias acontecia, e as placas de gordura eram retiradas para serem derretidas. O óleo extraído tinha várias utilidades, como iluminação dos engenhos, cicatrizante, construções e calafetagem de barcos e navios. Nos mercados europeus, o óleo também era utilizado na fabricação de sabões e na iluminação pública das ruas da Europa. Além do óleo, as barbatanas das baleias eram aproveitadas na confecção de cintos e espartilhos, enquanto a carne servia como alimento para os escravos.


Na década de 1960, a pesca da baleia-franca já havia se tornado infrutífera, com as armações em estado de degradação e a demanda pelo óleo de baleia em declínio devido à ascensão da iluminação pública elétrica. Como resultado, a caça se tornou cada vez mais esporádica. Em 1973, a última baleia foi caçada no litoral sul de Santa Catarina, pois a pesca predatória havia causado uma redução significativa na população dessas baleias. Por muitos anos, acreditou-se que as baleias-francas estivessem extintas. No entanto, em 1982, uma baleia foi avistada, o que motivou o Vice-Almirante Ibsen de Gusmão Câmara, um dos líderes da luta contra a caça à baleia no Brasil, a organizar um grupo de voluntários para investigar os relatos de avistamentos. Foi então que nasceu o Projeto Baleia Franca (PBF). Somente em 1987, com a Lei nº 7.643, a caça comercial às baleias foi proibida no litoral brasileiro. Em 2000, foi criada a Área de Proteção Ambiental (APA) da Baleia-Franca. Em 2003, o Centro Nacional de Conservação da Baleia Franca foi inaugurado em Imbituba, no bairro de Itapirubá, na Praia Norte. Em 2015, o Projeto Baleia Franca foi remodelado para se tornar o Instituto Australis, com o objetivo de manter os mesmos princípios do PBF.


3 Figuras que ilustram a caça das baleias no sec. XIX. Na figura A, vê-se diversas fotografias de João Hipólito acerca das caças realizadas nas praias do Sul de Santa Catarina. Na figura B estão as principais armas utilizadas para matar baleias. Por último, na figura C encontram- se as caldeiras onde a gordura era derretida para a extração do óleo.

Período de caça às baleias no Brasil. (A) diversas fotografias de João Hipólito acerca das caças realizadas nas praias do Sul de Santa Catarina, (B) principais armas utilizadas para matar baleias e (C) caldeiras onde a gordura era derretida para a extração do óleo. Fonte: obtida e cedida pelo Museu Nacional da baleia-franca/© Jessica Nunes, 2025.



ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL DA BALEIA-FRANCA


Atualmente, sendo um importante berçário para a baleia-franca, essa unidade de conservação desempenha papel fundamental na preservação da espécie. Após os impactos da caça predatória, a população tem se recuperado gradualmente, com estimativas apontando para cerca de 14 mil indivíduos. A área de proteção abrange 130 km de costa marítima, que se estende desde o sul da Ilha de Florianópolis até o Balneário Rincão, abrangendo quase todo o litoral sul de Santa Catarina, região frequentada pela baleia-franca-austral devido aos seus hábitos costeiros. Portanto, os objetivos da APA da Baleia Franca são preservar, nas águas brasileiras, a Eubalaena australis, regular e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da área, organizar a ocupação e o uso do solo e das águas, regular o turismo e o lazer, as atividades de pesquisa e o tráfego de embarcações e aeronaves na região. Dessa forma, a espécie, que sofreu no passado devido à caça predatória, agora encontra um ambiente mais seguro para se recuperar e aumentar sua população.


Mapa que mostra a área de localização da APA em relação ao estado de Santa Catarina. Nesse mapa os municípios que compõem a APA  estão elucidados.

Mapa de localização da Área de Proteção Ambiental da baleia-franca. Fonte: © Jessica Nunes, 2025.



Bibliografia


BRANDÃO, M. E. B.; SILVEIRA, R. A. D.; NEVES, F.G.R.C.; PEIRO, D. F. Proteção da Baleia Franca: qual a sua importância? Revista Biologia Marinha de Divulgação Científica, Ubatuba-SP, Brasil, Ed. Bioicos, [S.I], 2024.


GROCH, K. R.; RENAULT-BRAGA, E. P. A baleia do sul do Brasil: uma gigante em nosso litoral. 2. ed. atual. Florianópolis: Carbo, 2023. 136 p. isbn 987-85-94319-13-5.


LEITE, B. L.; SANTOS, L. M. C. D.; FERREIRA, A. F. Caça das baleias na antártica: análise do caso Austrália vs. Japão, Nova Zelândia interveniente - corte internacional de justiça. Revista Ibero-americana de Humanidades, Ciências e Educação, v. 8, n. 8, p. 405–427, 2022.


MARQUES, T. D. A utilização da observação guiada de baleias na APA, como forma de conscientização da população: uso do potencial turístico da área de proteção ambiental da baleia-franca. Anais do I Congresso On-line Brasileiro de Biologia Marinha e Oceanografia. Anais...Revista Multidisciplinar de Educação e Meio Ambiente, 15 out. 2021. Disponível em: <https://editoraime.com.br/revistas/index.php/rema/article/view/2267>. Acesso em: 4 abr. 2025.


MEDEIROS, G. A. Da prática da exploração ao discurso da preservação: usos e abusos da baleia franca na história de Imbituba. Revista Santa Catarina em História, v. 1, n. 1, p. 117–127, 2007.


ROESCHKE, J. Eco-terrorism and piracy on the high seas: Japanese whaling and the rights of private groups to enforce international conservation law in neutral waters. Villanova Environmental Law Journal (1991 - ), v. 20, n. 1, p. 99, 2009.



Faça parte!

Contribua com o Projeto Bióicos para a continuidade de nossas produções voluntárias, como: Revista, Poscast, Youtube e Instagram

Assine a lista e receba as novidades!

Obrigado pelo envio! Verifique seu e-mail e marque-nos como contato seguro!

Projeto Bióicos©
Todos os direitos reservados
bottom of page