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Senciência e o direito animal: polvos e caranguejos também ‘sentem’

Autoras: Catarina Amazonas, Raphaela Alt Müller e Thais R. Semprebom



Imagem em preto e branco de tentáculos de um polvo. É possível ver as várias ventosas presentes nos tentáculos.

Tentáculos em preto e branco de um polvo, animal considerado senciente em diversas nações do mundo. Fonte: Dustin Humes/Unsplash.



O conceito de senciência possibilita caracterizar os animais não-humanos como merecedores de valorização e proteção legal. É por meio desse princípio que podemos advogar por direitos fundamentais e reconhecimento aos animais sencientes, como os decápodes e cefalópodes. No entanto, o Princípio da Senciência ainda é amplamente desconhecido por diversas nações, e pela sociedade como um todo, o que prejudica a conservação de espécies e favorece a disseminação de desinformações.



CONCEITO DE SENCIÊNCIA


Existem diversas definições para o conceito de senciência, porém a mais aceita argumenta que se trata da capacidade que um organismo possui para reconhecer-se como ser vivo, bem como vivenciar experiências sensoriais e afetivas. Segundo dicionários da língua portuguesa, um ser senciente é capaz de sentir ou perceber por meio dos sentidos.


A caracterização de um animal como senciente pode lhe garantir alguns direitos de tutela jurídica, impedindo que ele seja submetido a determinados métodos de abate, como desmembramento ou fervura em água quente, realizados com o animal ainda vivo.


Animais considerados sencientes


Não há dúvidas quanto à senciência do ser humano, porém outros animais também já foram ou estão no processo de serem considerados sencientes.


Em sua obra, “Vida ética: os melhores ensaios de um dos mais polêmicos filósofos da atualidade“, Peter Singer argumenta que a senciência é comum a todos os animais vertebrados, providos de sistema nervoso central, mas pode existir em outros animais. Por exemplo, naqueles que possuem órgãos sensoriais, evidenciando-se uma necessidade de interpretar imagens, sons ou odores captados pelos sentidos. Nessa análise, invertebrados como insetos, moluscos e aracnídeos também podem ser considerados seres sencientes.



DECÁPODES E CEFALÓPODES


Os cefalópodes (lulas, polvos, sépias e náutilus) são os primeiros e únicos invertebrados a terem sua senciência reconhecida pela ciência e, por isso, são protegidos por leis que visam a controlar a experimentação animal. A Diretiva Europeia 2010/63/EU, por exemplo, argumenta que “a sua [dos cefalópodes] capacidade para sentir dor, sofrimento, angústia e dano duradouro está cientificamente demonstrada”. No Canadá, os cefalópodes são protegidos legalmente desde 1991. Além disso, países como Suíça, Noruega, Austrália e Nova Zelândia também têm leis de proteção animal que abrangem estes moluscos.


Desenho científico de quatro cefalópodes incluindo lula, polvo, sépia e náutilus.

Cefalópodes incluindo lula, polvo, sépia e náutilus. Fonte: Citron/Wikimedia Commons (CC0).



Os cefalópodes têm sistema nervoso e órgãos sensoriais bem desenvolvidos. Além disso, possuem outras características que os posicionam como seres sencientes, como a habilidade no uso de ferramentas, memória espacial, processo de decisão, aprendizagem e capacidade de resolução de tarefas. Podemos citar também comportamentos de brincadeira e a competência para formar relações sociais, como pode-se observar no documentário “Professor Polvo”, no qual o cinegrafista Craig Foster desenvolve um tipo de relação com polvos, registrando seus comportamentos e sua rotina por um longo período de tempo.


Já os decápodes, dentre os quais podemos destacar os camarões, os caranguejos, os siris e as lagostas, são reconhecidos como seres sencientes em apenas alguns países, como Austrália, Áustria e Itália, porém são excluídos de leis de proteção animal na maioria das nações. Os decápodes são muitas vezes vendidos vivos, imobilizados e aglomerados, ou ainda embrulhados vivos. No entanto, são animais complexos em termos de comportamento. Diversos estudos apontam para a consciência dos decápodes em relação à experiência da dor e da tomada de decisão, argumentando que eles sofrem mudança de comportamento ao receberem estímulos dolorosos e demonstram sinais de ansiedade em resposta a estímulos repetitivos.


Imagem de três caranguejos vermelhos (decápodes) em uma rocha em Galápagos

Três caranguejos (decápodes) em uma rocha em Galápagos. Fonte: Amy Perez/Unsplash.



ÉTICA SENCIOCÊNTRICA


A Ética Senciocêntrica defende um parâmetro sobre quais animais devem receber consideração moral e proteção legal, baseado na sua senciência, ou na falta dela.


Neste contexto, a grande maioria dos invertebrados são excluídos do critério da senciência e, portanto, desprovidos de qualquer proteção legal. No geral, o debate da Ética Senciocêntrica se mostra necessário, em uma sociedade onde ainda pouco se fala sobre a consideração moral que concedemos aos animais, os quais são alvo de experimentação animal, caça, entretenimento, entre outras ameaças humanas.



O NOSSO PAPEL


Os decápodes e cefalópodes, apesar de serem sencientes, não têm a capacidade de exprimir emoções de forma racional como os seres humanos, porém são animais que possuem percepções frente à dor, à tomada de decisões e a laços sociais. Nesse contexto, surgem projetos e pesquisas acerca da tutela jurídica que pode ser proporcionada a estas espécies, assim promovendo a garantia de direitos. Para que esse cenário se concretize, deve haver um grande investimento na ciência e na educação ambiental, uma vez que, por meio dela, pode-se alcançar respeito, reconhecimento e dignidade animal em todas as esferas da sociedade.




Bibliografia


DE SOUZA VALENTE, C. A Ética Senciocêntrica e a exclusão de invertebrados da consideração moral. Revista Jurídica Luso-Brasileira, n. 2, p. 347-393, 2022. Disponível em: https://www.cidp.pt/revistas/rjlb/2022/2/2022_02_0347_0393.pdf. Acesso em: 1 de set. de 2023.


SILVA, D. B.; JUNIOR, V. P. A. Consciência e senciência como fundamentos do Direito Animal. Revista Brasileira de Direito e Justiça, v. 4, n. 1, p. 155-203, 2020. Disponível em: https://revistas.uepg.br/index.php/direito/article/view/16534. Acesso em: 1 de set. de 2023.

SIMOES, L.; SOARES, H. G. S. Os animais decápodes e cefalópodes como seres vivos sencientes e objeto de proteção jurídica. 2022. Disponível em: https://repositorio.animaeducacao.com.br/handle/ANIMA/31791. Acesso em: 1 de set. de 2023.


RUIZ, R. R. Fundamentos constitucionais do direito animal, a senciência e o entendimento dos tribunais. 2022. Disponível em: http://repositorio.unitau.br/jspui/handle/20.500.11874/6047. Acesso em: 1 de set. de 2023.











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