Autores: Lívia Serezani Munhoz, Raphaela A. Duarte Silveira, Raphaela Alt Müller e Douglas F. Peiró
Ilustração “O Kraken, visto pelos olhos da imaginação” representando um polvo gigante capturando uma embarcação. Fonte: Edgar Etherington/Wikimedia Commons (CC0).
Navegar no oceano ainda é tema de diversas histórias e lendas. Para os antigos navegadores, os mares eram um “gigante desconhecido”. A lenda do Kraken é muito conhecida e retrata um monstro de tamanho colossal, tão forte que poderia destruir e afundar as embarcações e tão sedentos de carne humana que devorava toda a tripulação.
Sua história se dá há séculos, mais presente na mitologia nórdica. Segundo o manuscrito do rei Sverre da Noruega de cerca do ano 1180, o Kraken era apenas um dos muitos monstros existentes nas redondezas da Noruega, Islândia e Groenlândia. Ao longo do tempo, diversas versões da lenda foram criadas, a aparência do Kraken foi de gigante humanoide, serpente, crustáceo, polvo até lula; seu tamanho varia de imenso a colossal, sendo citado em algumas lendas que os marinheiros chegaram a atracar no seu corpo pensando ser uma ilha. A partir do século XVIII, com o aumento do avistamento de lulas gigantes, a figura do ‘Kraken’ passa a se estabilizar como sendo um cefalópode gigante. Mas qual seria a origem desta lenda, o avistamento de uma lula ou de um polvo gigante? Vamos analisar as principais diferenças entre eles neste artigo.
LULA OU POLVO?
Para algumas pessoas não é clara a diferença entre lula e polvo.Você sabe diferenciá-los? Ambos pertencem à Classe Cephalopoda, mas uma grande diferença morfológica é o gládio: resquício de concha que fica no interior das lulas e tem função de estruturar o corpo. Por isso percebemos as lulas sempre mais estruturadas, enquanto os polvos são mais “moles”, pois perderam totalmente sua concha ao longo do processo evolutivo.
Devido aos hábitos de vida que cada um possui, a morfologia de seus corpos possuem algumas diferenças. As lulas, por serem nadadoras, possuem um corpo hidrodinâmico, com 8 braços e um par de tentáculos compridos, um de cada lado do seu corpo. O polvo, por sua vez, tem hábitos bentônicos, isto é, associado ao substrato, seu corpo é mais globoso e este não possui o par de tentáculos, apenas os 8 braços. Em ambos, os braços possuem ventosas, as lulas também contam com ventosas ou lanças na ponta de seus dois tentáculos.
Representantes das Ordens Teuthoidea - Lula (à esquerda) e Octopoda - Polvo (à direita) disponíveis no Acervo do Museu Nacional/UFRJ - Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Na imagem é possível reconhecer visualmente o par de tentáculos compridos da lula, principal diferença entre as ordens. Fonte: Acervo do Museu Nacional/UFRJ)/Wikimedia Commons (CC 4.0).
Com a descrição das lendas do Kraken, os cientistas perceberam que quase todas as características levavam à lula-gigante, mais especificamente Architeuthis.
Representação de lula-gigante capturando embarcação. Fonte: Charles Livingston Bull (1874–1932)/Wikimedia Commons (CC0).
A BIOLOGIA DO Architeuthis: A LULA-GIGANTE
A falta de informações sobre esse animal se dá à dificuldade do estudo, por falta de exemplares e difícil manejo de um animal tão grande. Podendo atingir até 13 metros de comprimento, esse gênero dispõe de um dos maiores olhos do reino animal. As ventosas de seus tentáculos podem chegar a 5 centímetros de diâmetro. Com coloração escura, podendo ser avermelhado ou marrom, esse animal provavelmente compartilha da habilidade de mudar de cor como outras lulas. Pode ser considerado tanto um predador ativo, quanto de emboscada. A lula-gigante é uma nadadora ágil e voraz, sendo avistada vivendo cerca de 900m de profundidade no oceano. Já foram encontradas marcas de suas ventosas no corpo de cachalotes, seus maiores predadores, admitindo uma boa briga de predação versus sobrevivência.
Maquete de uma lula-gigante sendo predada por um cachalote. Exposição no Museu Americano de História Natural. Fonte: American Museum of Natural History/Wikimedia Commons (CC0).
A CIÊNCIA EXPLICANDO O MITO
Vimos que, por mais impressionante que a lula-gigante seja, ela não é o monstro relatado nos mitos e nunca devoraria toda a tripulação de um navio. Muitos mitos que envolvem a ciência vêm sido esclarecidos ao longo do tempo. A lula-gigante, que inspirou o mito do Kraken, visto por muito tempo como uma ameaça aos marinheiros, também merece reconhecimento e proteção. Se você gostou do assunto, recomendamos ler o artigo: “O Kraken, quando o mito encontra a ciência.”- Rodrigo Salvador e Barbara Tomotani.
Bibliografia
SALVADOR, R. B. & TOMOTANI, B. M. The Kraken: when myth encounters science. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v. 21, n. 3, p. 971-994, 2014. Disponível em: https://www.scielo.br/j/hcsm/a/3f7pGvQSBQNC4kkC8MXsbQQ/?format=pdf&lang=en. Acesso em: 08 de abr. de 2024.
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