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Millepora: os corais-de-fogo

Autores: Matheus Moura Novelli, Amanda Ferreira e Cunha, Carolina Henrique da Silva, Renato Neves Feio, Oswaldo Monteiro Del Cima, Rodrigo Siqueira-Batista



Na foto temos um coral da espécie Millepora nitida, uma espécie de coral-de-fogo endêmica das águas brasileiras. É uma foto subaquática de um coral de cor marrom-avermelhada.

Millepora nitida, espécie de coral-de-fogo endêmica das águas brasileiras. Fonte: Alvaro E. Migotto/Cifonauta (CC BY-NC-SA 3.0).



Corais-de-fogo é o nome popular dado aos cnidários pertencentes ao gênero Millepora. Esse nome está relacionado à presença de pólipos de defesa com potentes toxinas que podem causar “queimaduras” em humanos. Os corais-de-fogo estão amplamente presentes em recifes nas regiões tropicais e subtropicais marinhas, compreendendo 10 espécies no Indo-Pacífico e 6 no Atlântico, num total de 16 espécies aceitas atualmente. Diferentemente dos chamados corais verdadeiros, que pertencem à classe Anthozoa, os corais-de-fogo são hidrozoários (classe Hydrozoa), portanto são mais proximamente relacionados às águas-vivas do que aos corais verdadeiros, e conhecidos como hidrocorais.


A classificação biológica dos corais-de-fogo é apresentada a seguir:

Reino: Animalia

Filo: Cnidaria

Subfilo: Medusozoa

Classe: Hydrozoa

Subclasse: Hydroidolina

Ordem: Anthoathecata

Subordem: Capitata

Família: Milleporidae

Gênero: Millepora



DISTRIBUIÇÃO NO BRASIL


Os corais-de-fogo estão amplamente distribuídos nos oceanos Índico, Pacífico e Atlântico. No Brasil, podem ser encontrados nas regiões nordeste e sudeste, desde o Maranhão até o Rio de Janeiro, incluindo as ilhas oceânicas de Fernando de Noronha e Atol das Rocas. Das quatro espécies com ocorrência no Brasil, Millepora alcicornis é amplamente distribuída, ocorrendo também na região do Caribe, Atlântico tropical leste e Ilha de Ascensão, enquanto M. braziliensis, M. nitida e M. laboreli são endêmicas do Brasil.



CARACTERÍSTICAS GERAIS


Os corais-de-fogo são frequentemente encontrados em águas rasas, mas podem chegar a profundidades de até 50 metros. Geralmente possuem de 30 a 60 cm de altura (embora espécies brasileiras possam ultrapassar 1 metro de altura) e uma coloração que varia de marrom-esverdeado a amarelado.


São organizados em colônias, formadas por grupos de numerosos pólipos especializados em alimentação, reprodução ou defesa, e que exercem essas funções de forma integrada. As colônias possuem um esqueleto de carbonato de cálcio poroso e podem apresentar ampla variação de forma, como incrustantes, colunares, laminadas e ramificadas.


A distribuição e forma de crescimento das colônias variam de acordo com características ambientais como hidrodinamismo, profundidade e luminosidade. Dentre as espécies com ocorrência no Brasil, M. braziliensis comumente apresenta uma forma semelhante a favos de abelha, M. laboreli é colunar, enquanto M. nitida e M. alcicornis podem apresentar colônias incrustantes ou ramificadas.



Na imagem temos corais do gênero Millepora de diferentes formatos. Na foto "A" temos a colônia ramificada. Na foto "B" temos a colônia em forma de favo de abelha. E nas fotos "C" e "D" temos um aumento de imagem focando dos pólipos de alimentação (gastrozooides) e defesa (dactilozooides).

Millepora alcicornis, colônia ramificada (A); Millepora sp., colônia em forma de favo de abelha (B); Millepora alcicornis, pólipos de alimentação (gastrozooides) e defesa (dactilozooides) (C e D). Fonte: (A) Floyd E. Hayes/iNaturalist (CC BY-NC 4.0); (B) Alvaro E. Migotto/Cifonauta; (C) Alberto Lindner/Cifonauta (CC BY-NC-SA 3.0); (D) Alberto Lindner/Cifonauta (CC BY-NC-SA 3.0).



Uma vez que são as únicas espécies de corais no Brasil capazes de se ramificar de forma complexa, os corais-de-fogo contribuem com diversos espaços entre seus ramos onde outros invertebrados e peixes podem viver, se alimentar, desovar e se proteger contra predadores. Dessa forma, os corais-de-fogo contribuem diretamente para a diversidade de espécies marinhas associadas aos recifes de coral brasileiros.



O CICLO DE VIDA


Diferentemente dos corais verdadeiros, os corais-de-fogo têm um ciclo de vida com alternância entre a fase de pólipo, bentônica e perene (o coral propriamente dito) e a fase de medusa, planctônica e livre natante. A reprodução assexuada é típica da fase de pólipo, e acontece geralmente por fragmentação, em que fragmentos liberados de colônias existentes geram novas colônias geneticamente idênticas à colônia original.


A reprodução sexuada acontece por meio de medusoides, pequenas medusas planctônicas que são liberadas na água quando maduras e, quase concomitantemente, liberam os gametas masculinos e femininos na água. A fecundação leva à formação do embrião, dando origem a uma larva ciliada chamada plânula, que após algumas semanas se assenta no substrato e forma novamente a colônia bentônica.


Ilustração demonstrando o ciclo de vida dos corais-de-fogo (Millepora). Fonte: modificado de Dubé et al. (2019), IntechOpen.



ACIDENTES COM CORAIS-DE-FOGO: COMO AGIR NESSAS SITUAÇÕES?


A presença de pescadores, mergulhadores e banhistas nas áreas habitadas pelos corais-de-fogo, principalmente no verão, devido a um maior fluxo de pessoas, pode levar a acidentes. Ao entrar no mar, as vítimas desatentas pisam ou encostam partes do corpo no animal.


O contato direto da pele com a superfície corporal do animal libera imediatamente inúmeros filamentos microscópicos farpados que estão contidos nos nematocistos, inoculando uma substância urticante na pele. Os nematocistos são células especializadas dos cnidários para defesa ou para capturar sua presa. Os nematocistos liberam substâncias tóxicas responsáveis por causar os sinais e sintomas que aparecem na vítima.


Normalmente, os sintomas do contato com os corais-de-fogo se limitam a manifestações locais na pele do indivíduo acidentado, como dor e queimação, prurido, eritema local (manchas vermelhas), hipersensibilidade tátil local, bolhas e urticárias. A intensidade da dor e a reação subsequente varia de acordo com a área de superfície da pele acometida e à sensibilidade do local em contato direto com o animal, além da quantidade de nematocistos que foram ativados. Em casos mais graves, podem ocorrer sintomas neurológicos consideráveis, como paralisia muscular do membro acometido, além de febre e dermonecrose. Os sintomas geralmente duram entre uma e duas semanas.


Na maioria dos casos, os acidentes são leves e autolimitados. Em caso de acidente, os cuidados devem ser iniciados no local de ocorrência. Aconselha-se a lavagem da lesão com água do mar gelada ou com vinagre doméstico (ácido acético diluído). Em alguns casos em que a dor é considerável, pode-se fazer uso de analgésicos ou anti-inflamatórios orais (ambos, sob recomendação médica). Em casos mais graves, a vítima deve ser imediatamente encaminhada ao hospital, para que o tratamento seja feito com profissionais de saúde capacitados.



CONSIDERAÇÕES FINAIS


Os corais-de-fogo são animais extremamente importantes para o ambiente marinho por servirem de abrigo protetor para dezenas de espécies de peixes, além de serem uma barreira natural contra as ondas, protegendo o interior dos recifes em que estão ancorados. Dependendo do local, os corais-de-fogo podem ser abundantes e dominar o ambiente recifal, mas, apesar disso, os poucos dados disponíveis e a ausência de notificações mostram que os acidentes envolvendo esses seres animais não são tão comuns no Brasil, apesar de existirem casos relatados na literatura.


Deve-se entender que o ser humano é o responsável pelos acidentes envolvendo esses animais, ao entrar em contato desprotegido com a superfície desses indivíduos. Entender o quadro clínico esperado nesses acidentes e a forma que se deve proceder quando esses acidentes ocorrem é de inegável importância para o melhor tratamento e acompanhamento dos acidentados.



Filiação Acadêmica dos Autores

Matheus Moura Novelli¹, Amanda Ferreira e Cunha², Carolina Henrique da Silva¹, Renato Neves Feio³, Oswaldo Monteiro Del Cima4, Rodrigo Siqueira-Batista5


1 – Departamento de Medicina e Enfermagem, Universidade Federal de Viçosa (UFV).

2 – Departamento de Biologia Animal, Universidade Federal de Viçosa (UFV)

3 – Museu de Zoologia João Moojen, Universidade Federal de Viçosa (UFV)

4 - Departamento de Física e Unidade de Mergulho Científico, Universidade Federal de Viçosa (UFV).

5 – Departamento de Medicina e Enfermagem e Unidade de Mergulho Científico, Universidade Federal de Viçosa (UFV); Escola de Medicina, Faculdade Dinâmica do Vale do Piranga (FADIP).



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