Toninha: o golfinho mais ameaçado do Atlântico sul
- Projeto Bióicos
- há 2 dias
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Autores: Maria Eduarda Barbosa Brandão, Filipe Guilherme Ramos Costa Neves e Raphaela A. Duarte Silveira

As toninhas são frequentemente avistadas em pequenos grupos, como na imagem. Fonte: foto cedida por © Rafael Mesquita 2023.
A toninha Pontoporia blainvillei, também chamada de franciscana, é um pequeno golfinho que habita as águas costeiras do Atlântico Sul, desde o Brasil até o Uruguai e a Argentina. Apesar de sua aparência discreta e tímida, a espécie enfrenta grandes desafios de sobrevivência. Hoje, é considerada uma das mais ameaçadas entre os cetáceos dessa região, com o status de "vulnerável" na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN).
CARACTERÍSTICAS MORFOLÓGICAS E HABITAT
A toninha é um golfinho de pequeno porte, com comprimento entre 1,2 e 1,8 metros, e uma coloração acinzentada, que a ajuda a se camuflar nas águas costeiras. Seu rostro, popularmente conhecido como “bico”, longo e fino é uma adaptação para a captura de pequenos peixes e invertebrados, sua principal fonte de alimento. Suas nadadeiras peitorais, largas e arredondadas, e a nadadeira dorsal em forma de triângulo garantem agilidade na movimentação pelas águas rasas, onde é mais comumente avistada.
Diferente de outros golfinhos de águas profundas, a toninha prefere áreas costeiras e estuários, raramente sendo encontrada em profundidades maiores que 30 metros. Essa proximidade com a costa a torna especialmente vulnerável às atividades humanas, que são mais comuns nessas regiões.
ESTRUTURA POPULACIONAL E IMPORTÂNCIA ECOLÓGICA
Estudos genéticos e morfológicos mostram que a toninha é dividida em subpopulações ao longo de sua área de distribuição, organizadas em zonas chamadas de Franciscana Management Areas (FMAs). Essas áreas vão do Espírito Santo, no Brasil, até o litoral da Argentina e refletem adaptações locais e variações genéticas que fazem de cada subpopulação um recurso biológico único.
No ecossistema costeiro, a toninha desempenha um papel importante como predadora de pequenos peixes e invertebrados, ajudando a equilibrar a cadeia alimentar. Sua dieta inclui espécies como corvinas e cefalópodes, que também têm grande valor para a pesca comercial, destacando a relação entre a conservação da toninha e a sustentabilidade das atividades humanas.
AMEAÇAS ATUAIS E A PRESSÃO AMBIENTAL
A toninha enfrenta uma série de ameaças, sendo a captura incidental em redes de pesca uma das mais graves. Por preferir águas rasas, frequentemente habita regiões onde a pesca com redes fixas é intensa, como na costa do Rio Grande do Sul e no norte da Argentina. Essa prática leva a uma alta mortalidade, ameaçando a sobrevivência da espécie a longo prazo. Além disso, a poluição química e o desenvolvimento costeiro degradam seu habitat e reduzem a oferta de presas, ampliando os desafios para a sobrevivência da espécie.
Os poluentes liberados por indústrias e esgotos urbanos, como metais pesados e compostos orgânicos persistentes, entram na cadeia alimentar e se acumulam nos organismos. Substâncias como mercúrio e chumbo já foram detectadas em concentrações preocupantes nas toninhas, comprometendo sua saúde, reprodução e longevidade. Outro perigo crescente é o ruído submarino, vindo da exploração de petróleo e do tráfego marítimo, que interfere na comunicação acústica essencial para a orientação, caça e socialização da espécie.

A toninha Pontoporia blainvillei é uma das espécies de golfinhos mais afetada pela pesca incidental. Fonte: Juan Manuel Barreneche/WikimediaCommons (CC BY-SA 4.0).
CONSERVAÇÃO DA ESPÉCIE
A proteção da toninha depende de esforços coordenados e de longo prazo. Organizações ambientais e governos da América do Sul têm trabalhado para implementar medidas como áreas de proteção marinha e restrições ao uso de redes de pesca em regiões críticas para a espécie. No Brasil, a criação de parques nacionais marinhos e outras áreas protegidas tem como objetivo reduzir as capturas acidentais e preservar os habitats costeiros essenciais para sua sobrevivência.
A educação ambiental e o engajamento das comunidades costeiras também desempenham um papel crucial. Ao sensibilizar, permitindo a conscientização de pescadores e o incentivo às práticas de pesca mais sustentáveis, é possível diminuir os riscos à espécie e promover uma convivência mais harmoniosa com o ecossistema. Além disso, projetos de monitoramento populacional e pesquisas contínuas sobre a genética e a distribuição da toninha ajudam a refinar as estratégias de manejo e a garantir sua preservação no longo prazo.

A toninha é considerada uma espécie tímida quando comparada com outras espécies de golfinhos que se aproximam de embarcações, como por exemplo o Golfinho-nariz-de-garrafa Tursiops truncatus. Fonte: Hugo Hulsberg/WikimediaCommons (CC BY 1.0).
ESFORÇOS ATUAIS
A toninha é mais do que uma espécie em risco, ela simboliza os impactos humanos nos ecossistemas marinhos costeiros. Enfrentando múltiplas pressões ambientais, sua conservação exige uma colaboração integrada entre pesquisadores, governos e comunidades locais. Medidas como a criação de políticas de proteção e a conscientização pública são fundamentais para garantir que a toninha continue desempenhando seu papel ecológico no Atlântico Sul.
Com um planejamento de conservação eficaz, podemos não apenas proteger essa espécie única, mas também assegurar que futuras gerações tenham a oportunidade de conhecê-la e valorizá-la como parte essencial da fauna marinha sul-americana.
Bibliografia
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