top of page

Tubarão-cabeça-chata

Atualizado: 13 de mar. de 2023

Autores: Mariana P. Haueisen, Nicholas Negreiros, Thais R. Semprebom, Raphaela A. Duarte Silveira e Douglas F. Peiró


Foto do tubarão-cabeça-chata nadando em direção para direita da imagem, no fundo do mar, próximo aao substrato, e água no fundo de cor azul-escura. Vários peixes pequenos nadam em volta do tubarão.

O tubarão-cabeça-chata é um Carcharhinidae. Fonte: cedida gentilmente por Luiz Fernando Salvador Júnior © para uso exclusivo neste artigo.



Muitas vezes, quando ouvimos falar de tubarões, logo pensamos no ambiente marinho. No entanto, podemos encontrar espécies em ambientes de água doce, como Glyphis spp. e Carcharhinus leucas, ambos da família Carcharhinidae. Contudo, a espécie Glyphis sp. é restrita ao sudeste asiático e ao norte da Oceania, enquanto C. leucas ocorre em todos os continentes banhados por águas tropicais e subtropicais.



CARACTERÍSTICAS GERAIS


O tubarão-cabeça-chata Carcharhinus leucas é pelágico demersal predominantemente costeiro e se faz intimamente ligado às águas rasas das plataformas continentais tropicais e subtropicais. É um animal robusto e de porte avantajado. Ele pode atingir até 4 metros de comprimento total e já foram encontrados indivíduos de, aproximadamente, 600 kg! Apesar de serem indivíduos grandes quando comparados com o ser humano, podem viver até 25 anos.


Possuem focinho curto e arredondado e olhos bem pequenos. Em relação a sua coloração, o dorso é escuro, variando do cinza ao marrom, e o ventre é branco. As pontas das nadadeiras são escuras, mas conspícuas apenas em indivíduos jovens. A primeira nadadeira dorsal é triangular, alta e de base larga, e as nadadeiras peitorais são grandes, largas e triangulares. Sua dentição é composta por dentes superiores largos, triangulares e serrilhados e por dentes inferiores de base larga, pontiagudos e serrilhados.


Foto da arcada dentária (mandíbula e maxila) do tubarão-cabeça-chata em fundo preto.

Dentição do Carcharhinus leucas. Fonte: D Ross Robertson - Smithsonian Institution/Wikimedia Commons (CC0).



REPRODUÇÃO


É uma espécie vivípara, que produz até 14 embriões em uma gestação de 10 a 11 meses. As fêmeas utilizam os ambientes de estuários para dar à luz ao seus filhotes, que nascem medindo de 56 a 81 cm de comprimento total. Vale ressaltar que o estuário é um ecótone entre águas continentais e oceânicas, região que apresenta água com baixos níveis de salinidade. Neste ambiente, os recém-nascidos e jovens encontram alimento em abundância e minimizam as chances de serem alvo de outros predadores, permanecendo, então, no local nos primeiros anos de sua história de vida.



DISTRIBUIÇÃO


Possui distribuição cosmopolita e ocorre em toda a costa brasileira. Devido à característica eurihalina da espécie (capaz de viver numa grande variação de salinidade), indivíduos são comuns nas regiões estuarinas, lagoas costeiras e lagos, podendo até mesmo explorar as calhas dos grandes rios, inclusive a milhares de quilômetros a partir da foz!



ALIMENTAÇÃO


O tubarão-cabeça-chata é altamente adaptado à captura de presas em águas turvas, e pode ser considerado especialista na captação de estímulos do ambiente por meio da eletrorrecepção. Ele é naturalmente agressivo e curioso, possuindo dieta generalista, composta por ampla variedade de invertebrados, peixes, tartarugas, aves marinhas, pequenos cetáceos, tubarões (inclusive indivíduos da própria espécie) e até mesmo já foi relatado predando animais terrestres.


Foto do tubarão-cabeça-chata nadando voltado para frente da imagem, no fundo do mar, próximo ao substrato, e água azul-escura. É possível observar que ele está em um ambiente de baixa profundidade, já que é possível observar o reflexo da superfície da água.

Altamente adaptado a águas turvas. Fonte: Albert Kok/Wikimedia Commons (CC BY-SA 3.0).



ATAQUES E TRANSFORMAÇÕES ANTRÓPICAS


Devido à distribuição abrangente, tolerância a água doce, afinidade com águas turvas e rasas, agressividade nata e adaptação a ambientes ocupados pelo homem, o tubarão-cabeça-chata, muitas vezes, compartilha o mesmo ambiente com os seres humanos, o que faz, então, com que as duas espécies interajam entre si constantemente. A partir disso, ele é considerado um dos tubarões mais perigosos do mundo, sendo responsável por mais de uma centena de ataques não provocados a pessoas ao redor do globo.


Apesar de muitas espécies terem seu recrutamento comprometido em áreas impactadas por ações antrópicas, como zonas estuarinas degradadas e poluídas, o C. leucas tolera a presença humana, utilizando inclusive ambientes artificiais, como reservatórios e canais em meio urbano. Contudo, nesses locais, em especial os canais abertos pelo homem, existem registros de ataques a banhistas.


Ainda em relação às transformações antrópicas, grandes alterações fisiográficas das áreas de vida, associadas ao fluxo de embarcações e manejo inadequado do tratamento de resíduos, podem alterar o uso do habitat e o comportamento desta espécie. Como resultado, múltiplos ataques a seres humanos podem ocorrer, assim como acontece na região nordeste do Brasil, onde o tubarão-cabeça-chata é o principal responsável pelos ataques aos surfistas e banhistas (e esses ataques ocorrem em uma curta extensão da faixa costeira). Nessa região há o Porto Suape, que foi construído na área de ocorrência do C. leucas. Isso degradou o habitat da espécie e causou uma mudança no seu comportamento, fazendo com que os indivíduos fossem desviados para as praias mais próximas. O resultado foi que Pernambuco passou a ser o segundo estado do mundo com o maior número de pessoas atacadas por tubarões, principalmente devido à presença desta espécie.


Foto aérea do Porto Suape/PE. É possívil visualizar o porto no mar de cor verde-água e a cidade ao fundo. O céu é azul e com várias nuvens.

O Porto de Suape, em Pernambuco, foi construído na área de ocorrência do tubarão-cabeça-chata. Fonte: Daniela Nader/Wikimedia Commons (CC BY-SA 2.0).



IMPORTÂNCIA ECOLÓGICA


Por ser predador de topo, o C. leucas exerce uma grande importância ecológica nos ambientes em que está inserido, contribuindo com a manutenção da saúde dos oceanos. Além disso, sua presença no ambiente aquático movimenta a indústria do turismo em diversas partes do mundo, sendo atração em atividades de mergulho.


Foto do tubarão-cabeça-chata nadando em direção para esquerda da imagem, no fundo do mar, próximo a areia fina e clara, e água no fundo de cor azul-escura.

Desempenha grande importância ecológica como predador de topo nos ambientes que encontra-se inserido. Fonte: cedida gentilmente por Luiz Fernando Salvador Júnior © para uso exclusivo neste artigo.



CONSERVAÇÃO


Apesar de sua importância, o tubarão-cabeça-chata encontra-se classificado como quase ameaçado de extinção em nível global. Isso ocorre porque muitas populações estão em declínio devido à maturação sexual tardia, isolamento genético, susceptibilidade à captura/sobrepesca, supressão das áreas de berçário e perseguição direta. Portanto, ações voltadas a sua conservação são necessárias, a fim de contribuírem com a gestão das zonas costeiras ao redor do mundo.



Escute este artigo também pelo nosso Podcast. Clique aqui!



Bibliografia


AHMAD, A.; LIM, A. P. K. Field guide to sharks of the Southeast Asian Region. Kuala Lumpur: SEAFDEC/MFRDMD, 2012.


BARREIROS, J. P.; GADIG, O. B. F. Sharks and Rays from the Azores: an illustrated catalogue. Angra do Heroísmo: Instituto Açoriano de Cultura, 2011.


BIGELOW, H. B.; FARFANTE, I. P.; SCHROEDER, W. C. Lancelets, Cyclostomes, Sharks: part 1. New Haven: Sears Foundation For Marine Research, 2018.


CARWARDINE, M.; WATTERSON, K. The shark watcher's handbook: a guide to sharks and where to see them. London: Princeton University Press, 2002.


COLLIN, S.; WHITEHEAD, D. The functional roles of passive electroreception in non-electric fishes. Animal Biology, v. 54, n. 1, p. 1-25, 2004. https://doi.org/10.1163/157075604323010024.

COMPAGNO, L.; DANDO, M.; FOWLER, S. Sharks of the world. New Jersey: Princeton University Press, 2005.


EBERT, D. A.; STEHMANN, M. F. Sharks, batoids and chimaeras of the North Atlantic. Roma: FAO, 2013.


EBERT, D. A.; FOWLER, S.; COMPAGNO, L. Sharks of the world: a fully illustrated guide. Plymouth: Wild Nature Press, 2013.


FEITOSA, L. M.; NUNES, J. L. S. A new record of Carcharhinus leucas in an Amazonian River system. Bol Lab Hidrobiol, v. 30, n.1, p. 62-67, 2020.


GADIG, O. B. F. Tubarões da costa brasileira. Tese de Doutorado. Rio Claro: Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, 2001.


GALLAGHER, A. J.; HAMMERSCHLAG, N. Global shark currency: the distribution, frequency, and economic value of shark ecotourism. Curr Issues Tour, v. 14, n. 8, p. 797-812, 2011. https://doi.org/10.1080/13683500.2011.585227


GRACE, M. Field guide to requiem sharks (Elasmobranchiomorphi: Carcharhinidae) of the Western North Atlantic. Washington: US Department of Commerce; 2001.


HAZIN, F. H. V.; BURGESS, G. H.; CARVALHO, F. C. A. Shark attack outbreak off Recife, Pernambuco, Brazil: 1992–2006. Bull Mar Sci, v. 82, n. 2, p. 199-212, 2008.


ISAF. International Shark Attack File [Internet]. Florida Museum of Natural History; 2020. Disponível em: <https://www.floridamuseum.ufl.edu/shark-attacks/>. Acesso em: 21 de agosto de 2020.


IUCN. Carcharhinus leucas [Internet]. The IUCN Red List of Threatened Species; 2020. Disponível em: <https://www.iucnredlist.org>. Acesso em: 21 de agosto de 2020.


JAITEH, V. F.; HORDYK, A. R.; BRACCINI, M.; WARREN, C.; LONERAGAN, N. R. Shark finning in eastern Indonesia: assessing the sustainability of a data-poor fishery. ICES J Mar Sci, v. 74, n. 1, p. 242-253, 2017. https://doi.org/10.1093/icesjms/fsw170


KARL, S. A.; CASTRO, A. L. F.; LOPEZ, J. A.; CHARVET, P.; BURGESS, G. H. Phylogeography and conservation of the bull shark (Carcharhinus leucas) inferred from mitochondrial and microsatellite DNA. Conserv Genet, v. 12, n. 2, p. 371-82, 2011. https://doi.org/10.1007/s10592-010-0145-1.


MCCAGH, C.; SNEDDON, J.; BLACHE, D. Killing sharks: the media’s role in public and political response to fatal human–shark interactions. Mar Policy, v. 62, p. 271-78, 2015. https://doi.org/10.1016/j.marpol.2015.09.016.


MCCORD, M. E.; LAMBERTH, S. J. Catching and tracking the world's largest zambezi (bull) shark Carcharhinus leucas in the Breede Estuary, South Africa: the first 43 hours. Afr J Mar Sci, v. 31, n. 1, p. 107-11, 2009. https://doi.org/10.2989/AJMS.2009.31.1.11.782.

MÜLLER, J.; HENLE, F. G. J. Systematische beschreibung der Plagiostomen. Berlin: Veit, 1841.


MUSICK, J. A.; HARBIN, M. M.; COMPAGNO, L. J. V. Historical Zoogeography of the Selachii. In: CARRIER, J. C.; MUSICK, J. A.; HEITHAUS, M. R. Biology of sharks and their relatives. Boca Raton: CRC Press, 2004.


MYERS, G. S. Sharks and sawfishes in the Amazon. Copeia, v. 1952, n. 4, p. 268-69, 1952.


PILLANS, R. D.; FRANKLIN, C.E. Plasma osmolyte concentrations and rectal gland mass of bull sharks Carcharhinus leucas, captured along a salinity gradient. Comp Biochem Physiol Part A Mol Integr Physiol, n. 138, v. 3, p. 363-71, 2004. https://doi.org/10.1016/j.cbpb.2004.05.006.


PILLANS, R. D.; GOOD, J. P.; ANDERSON, W. G.; HAZON, N.; FRANKLIN, C. E. Freshwater to seawater acclimation of juvenile bull sharks (Carcharhinus leucas): plasma osmolytes and Na+/K+-ATPase activity in gill, rectal gland, kidney and intestine. J Comp Physiol B, v. 175, n. 1, p. 37-44, 2005. https://doi.org/10.1007/s00360-004-0460-2.


PIROG, A.; RAVIGNÉ, V.; FONTAINE, M. C.; RIEUX, A.; GILABERT, A. CLIFF, G.; et al. Population structure, connectivity, and demographic history of an apex marine predator, the bull shark Carcharhinus leucas. Ecol Evol, v. 9, n. 23, p. 12980-13000, 2019. https://doi.org/10.1002/ece3.5597.


QUEIROZ, N.; HUMPHRIES, N. E.; COUTO, A.; VEDOR, M.; COSTA, I.; SEQUEIRA, A. M. M.; et al. Global spatial risk assessment of sharks under the footprint of fisheries. Nature, v. 572, n.7770, p. 461-466, 2019. https://doi.org/10.1038/s41586-019-1444-4


REILLY, B. D.; CRAMP, R. L.; WILSON, J. M.; CAMPBELL, H. A.; FRANKLIN, C. E. Branchial osmoregulation in the euryhaline bull shark, Carcharhinus leucas: a molecular analysis of ion transporters. J Exp Biol, v. 214, n. 17, p. 2883-95, 2011. https://doi.org/10.1242/jeb.058156.


RITTER, E.; AMIN, R. Effect of human body position on the swimming behavior of bull sharks, Carcharhinus leucas. Soc Anim, v. 20, n. 3, p. 225-35, 2012. https://doi.org/10.1163/15685306-12341235.


SNELSON, F. F.; MULLIGAN, T. J.; WILLIAMS, S. E. Food habits, occurrence, and population structure of the bull shark, Carcharhinus leucas, in Florida coastal lagoons. Bull Mar Sci, v. 34, n.1, p. 71-80, 1984.


SPRINGER, S. A revision of North American sharks allied to the genus Carcharhinus. Am Mus Novit, n. 1451, p. 1-13, 1950.


TILLETT, B. J.; MEEKAN, M. G.; FIELD, I. C. Dietary overlap and partitioning among three sympatric carcharhinid sharks. Endangered Species Res, v. 25, n. 3, p. 283-93, 2014. https://doi.org/10.3354/esr00615.


WERRY, J. M.; LEE, S. Y.; LEMCKERT, C. J.; OTWAY, N.M. Natural or artificial? Habitat-use by the bull shark, Carcharhinus leucas. PLoS One, v. 7, n.11, p. e49796. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0049796.


WHITE, W. T.; BAJE, L.; SABUB, B.; APPLEYARD, S. A.; POGONOSKI, J. J.; MANA, R. R. Sharks and rays of Papua New Guinea. Canberra: Australian Centre for International Agricultural Research, 2017.




Posts recentes

Ver tudo

Faça parte!

Contribua com o Projeto Bióicos para a continuidade de nossas produções voluntárias, como: Revista, Poscast, Youtube e Instagram

Participe da vaquinha virtual via PIX

Chave Pix CNPJ: 29.093.477/0001-40
Responsável: prof. Dr. Douglas F. Peiró

Assine a lista e receba as novidades!

Obrigado pelo envio! Verifique seu e-mail e marque-nos como contato seguro!

bottom of page