Os pequenos gigantes do mar: conheça os coelhos-do-mar e outros nudibrânquios
- Projeto Bióicos
- 15 de ago.
- 5 min de leitura
Autores: Catarina Amazonas, Filipe Guilherme Ramos Costa Neves e Raphaela Alt Müller

Coelho-do-mar Jorunna parva fotografado em Osezaki, no Japão. Estes animais são geralmente bentônicos, isto é, vivem no substrato, próximos ao fundo do mar. Fonte: Izuzuki Diver/Wikimedia Commons (CC BY-SA 2.5).
QUEM SÃO OS NUDIBRÂNQUIOS
Os nudibrânquios são moluscos gastrópodes, conhecidos popularmente como lesmas marinhas, e ocorrem em regiões variadas, desde os trópicos até regiões polares, em águas rasas ou no mar profundo. Em 1984, cientistas estimaram que existam 3.000 espécies de nudibrânquios em todo o mundo. Eles possuem corpo macio, protegido por defesas morfológicas, químicas e comportamentais.
São caracterizados principalmente pela ausência da concha (e opérculo), presença de véu de tentáculos orais gustativos, tentáculos quimiossensoriais dorsais (rinóforos) e sistema reprodutivo hermafrodita. Segundo um estudo realizado em 2000, o grupo possui as seguintes autapomorfias (características exclusivas de um táxon/grupo específico):
Rinóforos sólidos (órgãos sensoriais, receptores de odores, sabores e elementos químicos presentes na água);
Ausência (por perda) da concha;
Complexo pericárdico (estrutura que envolve e protege o coração nos vertebrados) orientado longitudinalmente;
Presença de epitélio vacuolizado especializado (tecido epitelial que contém células com vacúolos proeminentes, adaptadas para desempenhar funções específicas em determinados órgãos ou tecidos).
Na alimentação, os nudibrânquios, em geral, utilizam a rádula (estrutura oral composta por dentes quitinosos [compostos de quitina] sobre uma base cartilaginosa), para raspar e ingerir alimentos. Sua dieta baseia-se no consumo de animais de diversos grupos (Porifera, Cnidaria, Crustacea, Mollusca, etc.).
A conservação destes animais é primordial para a saúde dos ecossistemas marinhos, devido a sua contribuição na construção de ambientes recifais, na cadeia alimentar e na bioturbação em fundos de lama ou areno-lamosos (movimentação do sedimento, que altera a estrutura do ambiente, proporcionando a circulação de nutrientes e oxigênio). Por outro lado, sua preservação também tem relevância científica, uma vez que os nudibrânquios são importantes modelos para estudos neurobiológicos de aprendizado, memória e organização cerebral.
Mais adiante, este grupo serve como experimento para pesquisas biomédicas, já que são bioindicadores e produtores de compostos orgânicos com potencial farmacológico. Em vista disso, cientistas já descobriram substâncias com atividades regenerativas, citotóxicas e neurotóxicas, além de compostos com poder antimicrobiano, antidiabético, imunossupressor, antitumoral e anti-inflamatório - todos presentes em nudibrânquios.

Ilustração científica de algumas espécies de nudibrânquios. Fonte: Ernst Haeckel/Wikimedia Commons (CC0).
Os coelhos-do-mar, Jorunna parva, inicialmente documentados em 1938 nos mares do Japão, pertencem ao filo Mollusca, classe Gastropoda e ordem Nudibranchia, e são fascinantes lesmas marinhas que chamam atenção por sua aparência, similar a de um coelho. O nome “parva” deriva do latim, e pode ser traduzido para “pequeno”. Esta é uma descrição apropriada para esses organismos, que se destacam pela sua fisionomia adorável, porém também desempenham papéis importantes nos ecossistemas costeiros e são notáveis objetos de estudos científicos.
ASPECTOS GERAIS DA ESPÉCIE
Com apenas 2 centímetros de comprimento, os coelhos-do-mar têm uma coloração vibrante que varia principalmente do amarelo ao branco. Estes animais possuem sensores químicos no seu manto externo denominados caryophyllidia, que são rodeados por espículas. Essas, por sua vez, têm função protetora, uma vez que tornam o organismo menos palatável, assim dissuadindo predadores.
As estruturas na cabeça que se parecem com orelhas também são órgãos sensoriais, chamados de rinóforos. Esses funcionam como receptores de odores, sabores e outros elementos químicos presentes na água. Segundo Ángel Valdés, uma especialista em lesmas marinhas da Universidade da Califórnia (EUA), “nós não sabemos ao certo o que esses órgãos fazem, mas eles provavelmente desempenham papéis sensoriais”. Com a atuação destes quimiorreceptores, os nudibrânquios são capazes de detectar e capturar as suas presas, além de identificar parceiros sexuais.
Outra característica interessante destes seres é o par de tentáculos orais, responsáveis pela detecção e manipulação de alimentos e localizados próximos à boca.
De acordo com um estudo de comparação entre as diferentes espécies do gênero Jorunna, a espécie Jorunna parva se destaca das demais espécies presentes no Indo-Pacífico por conta da sua coloração externa e morfologia. Isto é, Jorunna parva é a única espécie do gênero com tubérculos de coloração escura que se assemelham a manchas escuras. Além disso, esta espécie é caracterizada pela presença de um pé com uma linha marrom escura na parte central da face dorsal, com manchas marrons escuras nas bordas.
A respeito da alimentação, os coelhos-do-mar se alimentam de esponjas marinhas, principalmente aquelas pertencentes à família Chalinidae, o que lhes confere certas defesas químicas. Isto é, os coelhos-do-mar, ao consumir as esponjas, também ingerem os compostos tóxicos presentes nelas. Essa estratégia, muito comum entre nudibrânquios, torna esses animais não-palatáveis para predadores.
Quanto à reprodução, os coelhos-do-mar são hermafroditas, o que significa que eles contêm órgãos reprodutivos femininos e masculinos. Por essa razão, esse organismo pode se reproduzir com indivíduos machos e fêmeas de sua espécie. Seus ovos são depositados e aderidos no substrato do mar.

Coelho-do-mar Jorunna parva, com coloração vibrante amarelada e espículas escuros. Os rinóforos na sua cabeça ajudam a identificar odores e substâncias químicas dissolvidas na água. Fonte: Steve Childs/Wikimedia Commons (CC BY 2.0).
IMPORTÂNCIA ECOLÓGICA DA ESPÉCIE
Encontrados em locais como Japão, Filipinas, Tanzânia e Papua Nova Guiné, os coelhos-do-mar desempenham um papel importante nos ecossistemas marinhos, especialmente em relação ao controle de populações de esponjas. Além disso, essa espécie serve como um indicador de saúde do habitat, uma vez que se tratam de organismos sensíveis a mudanças no ambiente marinho.
Apesar de não estar listada pela IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza) como uma espécie ameaçada, Jorunna parva, assim como diversas outras espécies marinhas, sofre com os impactos antrópicos no oceano e enfrenta ameaças de poluição, aquecimento global e perda de habitat. Portanto, estudar e conservar essa espécie é de suma importância ecológica.
Estudos sobre essa espécie ainda são escassos, porém a pesquisa sobre nudibrânquios em geral nos ajuda a desvendar o seu comportamento e interação com outros organismos.

Coelho-do-mar Jorunna parva, fotografado na ilha de La Réunion, no Oceano Índico. Fonte: Christophe Cadet/Wikimedia Commons (CC BY-SA 4.0).
Bibliografia
BELMONTE, T. D. Comportamento alimentar de nudibrânquios no litoral do Rio de Janeiro (Gastropoda, Nudibranchia, Doridacea). 2014. 150 f. Dissertação (Mestrado em Caracterização, Diagnóstico e Evolução de Ambientes Marinhos) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014. Disponível em: <https://www.bdtd.uerj.br:8443/handle/1/13887>. Acesso em: 26 de ago. de 2024.
CAMACHO-GARCÍA, Y. E.; GOSLINER, T. M. Systematic revision of Jorunna Bergh, 1876 (Nudibranchia: Discodorididae) with a morphological phylogenetic analysis. Journal of Molluscan Studies, v. 74, n. 2, p. 143–181, 2008. Disponível em: <https://academic.oup.com/mollus/article/74/2/143/1163390>. Acesso em: 26 de ago. de 2024.
ENVIROLAB. Meet the sea bunny: Jorunna parva, the adorable marvel of the marine world. 2024. Disponível em: <https://envirolab.in/meet-the-sea-bunny-jorunna-parva-the-adorable-marvel-of-the-marine-world/>. Acesso em: 26 de ago. de 2024.
MOREIRA, A. K. A. Anatomia de Nudibrânquios Facelinídeos (Gastropoda: Opisthobranchia) do Nordeste do Brasil, Atlântico Sul. 2013. 60 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Pesca) - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2013. Disponível em: <https://bdtd.ibict.br/vufind/Search/Results?lookfor=nudibr%C3%A2nquios&type=AllFields&limit=20>. Acesso em: 26 de ago. de 2024.
MORO, L.; ORTEA, J.; OCAÑA, O.; CABALLER, M. Nuevos datos sobre el género Jorunna Bergh, 1876 (Mollusca: Heterobranchia: Discodorididae) en la Macaronesia y el mar Caribe. Revista de la Academia Canaria de Ciencias, v. 28, n. 3-4, p. 195-224, 2016. Disponível em: <https://www.researchgate.net/profile/Leopoldo-Moro/publication/311915799_Nuevos_datos_sobre_el_genero_Jorunna_Bergh_1876_Mollusca_Heterobranchia_Discodorididae_en_la_Macaronesia_y_el_mar_Caribe/links/5862680b08ae6eb871ab1734/Nuevos-datos-sobre-el-genero-Jorunna-Bergh-1876-Mollusca-Heterobranchia-Discodorididae-en-la-Macaronesia-y-el-mar-Caribe.pdf>. Acesso em: 26 de ago. de 2024.
WÄGELE, H.; WILLAN, R. C. Phylogeny of the Nudibranchia. Zoological Journal of the Linnean Society, v. 130, n. 1, p. 83-181, 2000. Disponível em: <https://academic.oup.com/zoolinnean/article/130/1/83/2630827>. Acesso em: 26 de ago. de 2024.




