top of page

O arquipélago carioca dos golfinhos-fliper

Atualizado: 7 de jun. de 2021

Autores: Liliane Lodi e Guilherme Maricato



Quatro golfinhos-fliper se deslocando no anel interno do Arquipélago das Cagarras, localizado a cerca de 5km da Praia de Ipanema. Ao fundo a Laje Praça Onze, localizada à direita da Ilha Comprida. A coloração do dorso e flanco do golfinho-fliper é cinza-clara com uma capa dorsal cinza-escura. A cabeça é arredondada, o rostro (“bico”) é curto e largo.

Golfinhos-fliper, Tursiops truncatus, utilizam as águas rasas e abrigadas do anel interno do Arquipélago das Cagarras, Rio de Janeiro. Fonte: Liliane Lodi/Projeto Baleias & Golfinhos do Rio de Janeiro e Projeto Ilhas do Rio.



O ARQUIPÉLAGO DAS CAGARRAS


O Arquipélago das Cagarras e a Ilha Redonda, localizados a 5 km e 8 km da Praia de Ipanema, fazem parte da primeira Unidade de Conservação (UC) Marinha de Proteção Integral da cidade do Rio de Janeiro, fruto da mobilização da sociedade carioca. O Monumento Natural do Arquipélago das Ilhas Cagarras (MoNa Cagarras) foi criado em 13 de abril de 2010 (Lei Federal Nº 12.229) e seu Plano de Manejo foi aprovado em 20 de agosto de 2020 (Portaria Ministério do Meio Ambiente/Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade Nº 886). A UC tem como finalidade preservar os remanescentes do ecossistema insular do domínio da Mata Atlântica, os refúgios e áreas de nidificação de aves marinhas e a beleza cênica local.


O MoNa Cagarras é formado pelas ilhas Cagarra, Palmas, Comprida e Redonda e pelos ilhotes Filhote da Cagarra e Filhote da Redonda, totalizando uma área de 91,20 hectares que inclui a parte terrestre e o ambiente marinho em um raio de 10 metros no entorno de cada ilha e ilhota.


Esse ecossistema insular abriga uma rica comunidade biológica que inclui centenas de espécies terrestres e marinhas, sendo algumas raras, endêmicas, ameaçadas de extinção e até novas para a ciência, mas também espécies exóticas, além de um sítio arqueológico.


A formação geomorfológica do MoNa Cagarras, tão próxima do continente, e a sua biodiversidade proporcionam oportunidades para a visitação, pesquisa e educação. Como megafauna marinha carismática, os golfinhos-fliper, também conhecidos como golfinhos-nariz-de-garrafa, da espécie Tursiops truncatus, agregam valor à percepção ambiental daqueles que visitam a UC e seu entorno.



Vista panorâmica do Monumento Natural das Ilhas Cagarras (MoNa Cagarras). Em primeiro plano, a exuberante vegetação da Floresta da Tijuca, que faz parte do Parque Nacional da Tijuca. A esquerda o Hipódromo da Gávea, praça de corridas do Jockey Clube de Janeiro, e a Lagoa Rodrigo de Freitas. A frente os prédios da Praia de Ipanema. E o mar com o Arquipélago das Cagarras. A foto mostra a proximidade do arquipélago com a cidade do Rio de Janeiro.

O Arquipélago das Cagarras destaca-se na paisagem devido à sua proximidade com a cidade do Rio de Janeiro, um dos maiores centros urbanos da América Latina. Fonte: Liliane Lodi/Projeto Baleias & Golfinhos do Rio de Janeiro e Projeto Ilhas do Rio.



GOLFINHOS-FLIPER IDENTIFICADOS INDIVIDUALMENTE


O golfinho-fliper ocorre em águas tropicais, subtropicais e temperadas. No Brasil a espécie encontra-se amplamente distribuída em águas costeiras do Rio Grande do Sul ao Amapá. Também é encontrado na borda externa da plataforma continental, em águas pelágicas e no entorno das ilhas oceânicas brasileiras, apresentando, portanto, plasticidade na sua forma de uso do habitat.


As informações disponíveis sobre o golfinho-fliper no Estado do Rio de Janeiro são oportunísticas e baseiam-se em registros pontuais e esporádicos de encalhes, avistagens e capturas acidentais em artefatos de pesca. Na Região Sudeste, o Arquipélago das Cagarras é o único local onde esforços sistemáticos de pesquisa foram conduzidos entre os anos de 2004 e 2020.


Os golfinhos-fliper apresentam um padrão de ocorrência sazonal no arquipélago durante as estações de inverno e primavera. Diferentes linhas de pesquisa foram desenvolvidas, incluindo estudos de comportamento, tamanho e composição de grupo, organização social, movimentos, estimativa de abundância, etnoecologia e identificação individual.


A técnica de fotoidentificação permite o reconhecimento de distintos indivíduos através de marcas naturais e adquiridas. Uma vez que estas marcas não mudam ao longo do tempo, a identidade de cada animal pode ser obtida como um “Registo Geral ou RG” através de coleções de fotografias que formarão um catálogo, uma base sólida para o monitoramento a longo prazo.


Estudos de fotoidentificação fornecem dados sobre estimativas de tamanho populacional, ciclo de vida, estrutura populacional, migração, fidelidade e uso de área e movimentos que permitem a ampliação do conhecimento sobre as espécies estudadas.


Graças aos avanços na fotografia digital, imagens de alta qualidade podem ser obtidas em um curto espaço de tempo e os dados de identificação com foto podem ser processados com a ajuda de softwares que auxiliam o processamento e gerenciamento de imagens digitais. No entanto, o sucesso da ferramenta depende do acúmulo de dados ao longo de vários anos e da cooperação entre pesquisadores de diferentes instituições.



Golfinho-fliper. A imagem mostra as marcas na borda posterior da nadadeira dorsal, que são únicas tornando possível o reconhecimento de distintos indivíduos. A nadadeira dorsal está posicionada no centro do dorso do animal. É alta e falcada.

A técnica de fotoidentificação é um método não invasivo de rastrear indivíduos identificados, uma poderosa ferramenta de pesquisa a longo prazo com cetáceos. Fonte: Liliane Lodi/Projeto Baleias & Golfinhos do Rio de Janeiro e Projeto Ilhas do Rio.



Dois golfinhos-fliper se deslocando no anel interno do arquipélago das Cagarras. Ao fundo, aparece a Ilha Comprida, de formato alongado.

A fidelidade de área e residência dos golfinhos-fliper no Arquipélago das Cagarras difere das conhecidas populações residentes identificadas no Atlântico Sul Ocidental como as encontradas em regiões costeiras e estuarinas do sul do Brasil, Uruguai e Argentina. Fonte: Liliane Lodi/Projeto Baleias & Golfinhos do Rio de Janeiro e Projeto Ilhas do Rio.



MONITORAMENTO: HISTÓRICO DAS AVISTAGENS


As fotografias são as peças de um quebra-cabeça científico que, combinadas, contam uma história de vida. O catálogo de golfinhos-fliper do Arquipélago das Cagarras possui 31 indivíduos adultos identificados, o que permitiu a elaboração e o gerenciamento de um banco de dados. Os padrões de ocorrência anual e interanual no arquipélago foram determinados através do histórico de avistagens e reavistagens de golfinhos-fliper individualmente identificados.


Estudos de identificação individual indicaram que a maioria dos adultos ocorreu durante os censos em diferentes anos. A análise de dados coletados entre 2004 e 2010 sugere que esta pode não ser uma agregação de indivíduos de diferentes populações em uma área específica, mas um grupo relativamente estável formado pelos mesmos animais, ou seja, uma unidade populacional. A avaliação de parâmetros populacionais indicou a existência de um pequeno grupo de indivíduos (máximo de 38 indivíduos adultos em 2004 e cinco indivíduos adultos em 2010) caracterizado por uma baixa taxa de probabilidade de sobrevivência, que está entre as estimativas mais baixas da literatura para a espécie.


Esta unidade social não foi mais vista entre 2011 e 2014 apesar do monitoramento das águas costeiras do Rio. Isto pode ser tanto uma consequência de fatores naturais quanto uma resposta aos impactos cumulativos das múltiplas atividades humanas na zona costeira. Entre 2004 e 2010 a alta incidência de filhotes e juvenis nos grupos sugeriu que o arquipélago era utilizado como área de cria, desenvolvimento cognitivo e socialização.



Código de identificação individual (ID), ocorrência anual e total de registros (A = Avistagem + R = Reavistagens) de golfinhos-fliper identificados no Arquipélago de Cagarras. Nenhum indivíduo foi avistado entre os anos de 2011 a 2014 e de 2017 a 2019. ● = Presença.



O RETORNO


Para a nossa surpresa alguns indivíduos foram reavistados em 2015. Em julho, Manon (AC#012), Sofi (AC#002) e Manchinha (AC#018), identificados em 2004, foram avistados na Ilha Comprida com dois golfinhos-fliper adultos que ainda não estavam catalogados: Cavado (AC#030) e Lasanha (AC#031). Em agosto foram reavistados na Ilha Rasa (localizada a 4,5 km da Ilha Redonda), desta vez, também na companhia de Modesto (AC#003), identificado em 2006, mas sem Sofi. Em novembro Manon, Manchinha e Modesto foram avistados na Ilha Redonda, desta vez na companhia de Chapéu de Bruxa (AC#001), identificado em 2004. E ainda tem mais uma boa notícia: o pequeno filhote avistado em agosto foi reavistado em novembro, crescendo saudável e travesso.


Em agosto de 2016 nossos velhos conhecidos Manon, Sofi, Cavado e Chapéu de Bruxa foram reavistados nas Ilhas Comprida e Redonda. Em setembro Manon e Chapéu de Bruxa foram vistos na Ilha Comprida.


Chapéu de Bruxa e Manon foram avistados na Ilha Comprida em setembro de 2020 e, alguns dias depois, com a companhia de Sofi. Em dezembro do mesmo ano, Chapéu de Bruxa e Manon foram novamente avistados na Ilha Comprida, desta vez acompanhados por um filhote. Manon foi vista pela última vez com um filhote em 2007.


Os golfinhos são animais com complexos e elaborados sistemas sociais, baixa fecundidade, expectativa de vida longa, grande mobilidade e extensas áreas de vida. A história da ‘Família Fliper’ assinala a importância da pesquisa sistemática.


Os movimentos dos golfinhos-fliper catalogados são acompanhados no Estado do Rio de Janeiro. Através de fotografias obtidas durante a Expedição Cetáceos do Sudeste/Projeto Baleia Jubarte, em novembro de 2015, oito indivíduos identificados no Arquipélago das Cagarras (incluindo Manon, Manchinha e Chapéu de Bruxa) foram reavistados na Ilha Grande, aproximadamente 100 km a sudoeste do arquipélago. Em julho de 2017 Chapéu de Bruxa e Sofi foram observados oportunisticamente por colaboradores do projeto a 3,5 km a sudoeste da Ilha Rasa.


Mas esta família permanece um enigma! De onde vem? Para onde vão? Por que desapareceram? Por que apenas alguns indivíduos retornaram? Muitas pecinhas de uma charada ainda precisam ser investigadas!


Com as reavistagens de alguns indivíduos feitas em 2015, 2016 e 2020 os golfinhos-fliper estariam avaliando um possível retorno ao arquipélago? Tomara que sim! Contamos com a colaboração de todos para que os golfinhos-fliper não sejam molestados através de perseguições por embarcações, motos aquáticas, banhistas e mergulhadores. É fundamental que eles encontrem um ambiente adequado para criarem seus filhotes. A cidade do Rio de Janeiro merece este presente!



Três golfinhos-fliper se deslocando no anel interno do Arquipélago das Cagarras. Ao fundo, aparece a Ilha Comprida, de formato alongado. A esquerda Manon (catalogada como RJ#012) e a direita Chapéu de Bruxa (catalogado como RJ#001) e no meio, o pequeno filhote.

Os indivíduos Chapéu de Bruxa e Manon acompanhados por um filhote no Arquipélago das Cagarras em dezembro de 2020. Registros de filhotes em 2015 e 2020 merecem especial atenção no planejamento das Medidas de Uso Público, ou seja, o ordenamento da visitação, ecoturismo e lazer que serão adotadas para a Unidade de Conservação. Fonte: Liliane Lodi/Projeto Baleias & Golfinhos do Rio de Janeiro e Projeto Ilhas do Rio.



Para saber mais sobre os Projeto Baleias & Golfinhos do Rio e Projeto Ilhas do Rio acesse:





Escute este artigo também pelo nosso Podcast. Clique aqui!



Bibliografia


BARBOSA, M. M. C.; CRUZ, F. S. e LODI, L. Comportamento e organização de grupo do golfinho-fliper, Tursiops truncatus (Cetacea, Delphinidae) no Arquipélago das Cagarras, Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Zoociências, v. 10, n. 3, p. 213-220, 2008.


LODI, L.; CANTOR, M.; DAURA-JORGE, F. G. e MONTEIRO-NETO, C. A. A missing piece from a bigger puzzle: declining occurrence of a transient group of bottlenose dolphins of Southeastern Brazil. Marine Ecology, v.35, n. 4, p. 516-527, 2014.


LODI, L.; MARICATO, G e HETZEL, B. Baleias, golfinhos e orcas: Os embaixadores dos oceanos. In: BERTONCINI, A., MORAES, F., BORGONHA, AGUIAR, A. e DUARTE, B. (Eds.). Guia de Biodiversidade Marinha e Mergulho das Ilhas do Rio. Museu Nacional, Série Livros N° 65, p. 306 - 330, 2019.


LODI, L. e MONTEIRO-NETO, C. Group size and composition of Tursiops truncatus (Cetacea: Delphinidae) in a coastal insular habitat of southeastern Brazil. Biotemas. v. 25, n. 2, p. 157-164, 2012.


LODI, L. e TARDIN, R. H. Site fidelity and residency of common bottlenose dolphins (Cetartiodactyla: Delphinidae) in a coastal insular habitat of southeastern Brazil. Pan-American Journal of Aquatic Sciences, v. 13, n. 1, p. 53-63, 2018.


LODI, L.; WEDEKIN, L. L.; ROSSI-SANTOS, M.R. e MARCONDES, M.C. Movements of the

bottlenose dolphin (Tursiops truncatus) in the Rio de Janeiro State, Southeastern Brazil. Biota Neotropica, v.8, n. 4, p. 205-2009, 2008.


MORAES, F.; BERTONCINI, A. e AGUIAR, A. (Eds.). História, pesquisa e biodiversidade do Monumento Natural das Ilhas Cagarras. Museu Nacional, Série Livros N° 48, 2013.


ZAPPES, C. A.; GATTS, C. E. N.; LODI, L.; SIMÕES-LOPES, P. C.; LAPORTA, P.; ANDRIOLO, A. e DI BENEDITTO, A. P. M. Comparison of local knowledge about the bottlenose dolphin (Tursiops truncatus Montagu, 1821) in the Southwest Atlantic Ocean: new research needed to develop conservation management strategies. Ocean & Coastal Management, v.98, p. 120-129, 2014.


Posts recentes

Ver tudo

Comments


Faça parte!

Contribua com o Projeto Bióicos para a continuidade de nossas produções voluntárias, como: Revista, Poscast, Youtube e Instagram

Assine a lista e receba as novidades!

Obrigado pelo envio! Verifique seu e-mail e marque-nos como contato seguro!

bottom of page