Autores: João Antonio C. Veloso, Fernanda Cabral Jeronimo, Aline Pereira Costa, Raphaela A. Duarte Silveira e Douglas F. Peiró
Elemento mercúrio, no estado físico líquido em temperatura ambiente. Fonte: Dnn87/Wikimedia Commons (CC BY 3.0).
O mercúrio é um metal líquido em temperatura ambiente. Essa substância assume um papel alarmante quanto à poluição ambiental uma vez que, ao entrar em contato com a água ele altera sua fórmula química. Quando um íon mercúrio encontra um radical metila-CH3 (presente no oceano) ele gera o metilmercúrio (uma neurotoxina), por meio do processo de metilação. O metilmercúrio é extremamente tóxico aos organismos e possui um grande potencial de biomagnificação (acúmulo progressivo de substâncias de um nível trófico para outro ao longo da cadeia alimentar), contaminando todos os níveis da teia trófica marinha.
Os solos de florestas são considerados os maiores reservatórios de mercúrio do mundo. Contudo, o oceano se destaca por receber constantemente mercúrio de descarga de rios e da atmosfera (deposição de cinzas de queimadas de florestas e poeira continental), além dos processos de ressurgência que também atuam como uma fonte de mercúrio para águas superficiais em zonas de mar aberto. A situação do oceano em relação ao elemento mercúrio é ainda mais preocupante. A emissão de mercúrio pela ação humana aumentou a partir da revolução industrial e, atualmente, corresponde a cerca de 10.000 toneladas para a atmosfera anualmente.
MERCÚRIO NO OCEANO
Ao entrar no oceano, o mercúrio se apresenta na forma iônica Hg2+, facilitando a formação do metilmercúrio na presença do radical metila, devido à sua intensa reatividade. O íon Hg2+ também tem a sua concentração influenciada pela salinidade, já que, na presença do íon cloro (Cl-), formam-se compostos como cloreto de mercúrio (HgCl2/Hg2Cl2), assim reduzindo a disponibilidade de íons de mercúrio para sofrerem metilação. Ou seja, em águas mais salinas, o poluente metilmercúrio está presente em baixas concentrações.
Representação da metilação, metilmercúrio e dimetilmercúrio. Fonte: © 2021 João A. C. Veloso.
No ambiente marinho, o metilmercúrio afeta desde o fitoplâncton (base da teia trófica marinha) até níveis tróficos superiores, como atuns e tubarões. Isso ocorre devido ao processo de biomagnificação, que é o aumento na concentração de contaminantes a cada nível da cadeia alimentar. Dessa forma, organismos menores como o fitoplâncton, por exemplo, ingerem o metilmercúrio e acabam passando para os consumidores primários, como o zooplâncton. Esses, por sua vez, servem de alimento para os consumidores secundários, como peixes maiores, passando o contaminante adiante. Assim, os consumidores apresentam níveis maiores de concentração de contaminantes do que os produtores.
Ilustração do processo de biomagnificação na cadeia alimentar. Fonte: © 2021 João A. C. Veloso.
Assim como a metilação, também há o processo inverso chamado de desmetilação, no qual o poluente metilmercúrio se degrada, disponibilizando íons de mercúrio para a água. Esse processo é intermediado por bactérias no substrato marinho. Contudo, a principal via de desmetilação ocorre nas águas superficiais por meio da incidência de raios solares sob o oceano que decompõe o composto. A luz, além de decompor o metilmercúrio, também favorece a fotorredução do íon mercúrio, acarretando uma diminuição de Hg2+ disponível para a metilação. No entanto, apesar do metilmercúrio ser a forma mais tóxica do metal, o íon mercúrio (Hg2+) e as outras formas de mercúrio também são tóxicas para seres vivos.
SAÚDE PÚBLICA
O contaminante metilmercúrio não traz apenas consequências para a fauna marinha, mas é também uma preocupante problemática de saúde pública. Sendo a maior fonte do poluente na alimentação humana, já que está presente nos peixes, ‘frutos-do-mar’ e derivados, a legislação brasileira recomenda que para peixes comestíveis, a concentração não deve exceder 0,5 miligramas de mercúrio por quilo em um consumo semanal.
No corpo humano, o metilmercúrio possui um tempo de meia-vida longo (tempo necessário para que metade da concentração do composto seja excretado), de 44 a 80 dias; e a excreção ocorre via fezes, leite materno e urina. Esta substância influencia certas regiões do cérebro que são sensíveis aos seus efeitos tóxicos, como o córtex cerebral visual e a camada granulosa do cerebelo. Além disso, a contaminação por metilmercúrio também pode afetar os embriões, que são cinco a dez vezes mais sensíveis que os adultos.
Mapa da Baía de Minamata com a fábrica Chisso e as rotas de despejo de efluentes. Fonte: adaptado de Bobo12345/Wikimedia Commons (CC BY-SA 3.0).
Um caso mundialmente famoso de contaminação por metilmercúrio ocorreu em 1953 na Baía de Minamata no Japão, originando a ‘’doença de Minamata’’. Devido ao despejo irregular de metilmercúrio, formado durante a produção de PVC, na baía pela empresa Chisso, os peixes foram contaminados e, consequentemente, a população que deles se alimentavam. No total, 12.127 pessoas apresentaram a doença, com um total de 1.043 mortes, além de apresentarem sintomas como desordem no sistema nervoso central gerando convulsões, falhas na coordenação motora, fala, visão e audição. Atualmente, há cerca de 3000 vítimas da doença que ainda sofrem com sequelas. Já na fauna marinha da Baía de Minamata, os níveis de mercúrio foram elevados principalmente em organismos bentônicos e filtradores.
O cenário global futuro para o composto tóxico do mercúrio é alarmante. Aproximadamente 2% do fluxo de mercúrio no ecossistema passa pelo processo de metilação por ano e as taxas de metilação devem aumentar devido ao aquecimento global e a acidificação nas águas do mar. Além disso, as zonas de ressurgência, que atuam como fonte de mercúrio em áreas oceânicas, são influenciadas por mudanças climáticas que podem deixá-las mais intensas, agravando, dessa forma, a concentração de mercúrio por toda a coluna d’água. Portanto, a problemática do metilmercúrio possui uma ligação intrínseca com a intensidade das mudanças climáticas, mas podem ser mitigadas por uma fiscalização eficaz das principais fontes terrestres de mercúrio: queimadas de florestas e descargas de rios.
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Bibliografia
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