Autores: Luane Rodrigues, Raphaela A. Duarte Silveira, Thais R. Semprebom e Douglas F. Peiró
Fragata macho Fregata magnificens Mathews, 1914 com a bolsa gular evidente, indicando que a espécie está em período reprodutivo, na Ilha de Galápagos, no Equador. Fonte: K Whiteford/Public Domain Pictures (CC0).
Aves marinhas fazem parte de um grande e diversificado grupo de espécies que tiveram sucesso na adaptação ao ambiente marinho. Existem 346 espécies de aves marinhas e 97 delas estão ameaçadas de extinção em nível global. São espécies encontradas em todos os oceanos, dependem deles para sobrevivência, utilizam-os para se alimentar, e na terra firme constroem seus ninho e descansam. Portanto, ficam expostas às perturbações no mar e na atmosfera.
O Brasil possui 148 espécies de aves marinhas e costeiras registradas. A costa brasileira é um local de descanso e também de reprodução e está na rota migratória do Atlântico, e possui condições apropriadas de habitat para muitas espécies. Abaixo mostraremos os principais grupos e sua classificação.
ORDENS DE AVES MARINHAS
- Ordem Procellariiformes
O Albatroz-de-nariz-amarelo-do-Atlântico Thalassarche chlororhynchos Gmelin, 1789 em voo. Espécie com grande ocorrência no litoral sul brasileiro. Fonte: Brian Gratwicke/Flickr (CC BY 2.0).
Este grupo é formado por albatrozes, pardelas, bobos e petréis, animais facilmente encontrados no Hemisfério Sul.
As narinas são em formato de tubo, que auxiliam a expelir o sal e os pés possuem membranas interdigitais, tecido que une os dedos, utilizadas para nadar, decolar e pousar. Apresentam a ponta do bico em formato de gancho, utilizado para capturar presas lisas e rápidas; eles possuem uma grande variedade alimentar, desde o zooplâncton, consumido por pequenas aves como Alma-de-mestre Oceanites oceanicus (Kuhl, 1820), até lulas e peixes, consumido por animais maiores como os albatrozes.
As asas compridas e estreitas auxiliam durante os voos planados, fornecendo uma forma aerodinâmica e diminuindo o gasto energético em grandes percursos. A plumagem é geralmente branca, podendo apresentar tonalidades de cinza e preto, a cauda é curta e, para decolarem, precisam correr alguns metros sobre a superfície da água.
Esses animais aproveitam as correntes de ar sobre o mar, que são horizontais, o que minimiza o esforço para se manterem e ganharem altura, permitindo o voo planado.
- Ordem Sphenisciformes
Pinguim-de-magalhães Spheniscus magellanicus Forster, 1781. Fonte: dotcomdotbr/Flickr (CC BY-NC-ND 2.0).
Os pinguins são as aves marinhas mais conhecidas, fazem parte da ordem Sphenisciformes e já estão há pelo menos 55 milhões de anos no planeta. São encontrados no Hemisfério Sul, em latitudes no continente Antártico até as Ilhas Galápagos.
Esse grupo perdeu a capacidade de voo, mas em compensação são excelentes nadadores, pois possuem os membros anteriores adaptados em nadadeiras. Costumam ir para a terra quando estão cansados ou em período de reprodução, quando formam as grandes colônias conhecidas como pinguineiras.
O corpo é fusiforme, o tronco é mais espesso e afina-se nas extremidades, as penas são curtas e fazem uma cobertura de isolamento à água uniforme já que não há penas adaptadas para o voo. Os pés costumam deslizar mais fácil pela neve ou gelo, porém também são encontrados em locais onde não neva, porém são grandes, chatos, palmeados e as pernas curtas o que faz com que esses animais caminhem com lentidão e em posição ereta.
- Ordem Pelecaniformes
Pelicano pardo Pelecanus occidentalis Linnaeus, 1766 voando no Point Isabel Regional Shoreline, Califórnia. Fonte: Becky Matsubara/Flickr (CC BY 2.0).
Pelicanos, garças, guará e afins pertencem à ordem Pelecaniformes e frequentam as águas brasileiras. A garça-branca-grande é encontrada na América do Norte e em todo o Brasil, principalmente no Pantanal e costas do sudeste, nordeste, norte e todos os rios do território e a garça-branca-pequena está distribuída em todo o Brasil.
Os pelecaniformes possuem quatro dedos com membranas interdigitais, são animais de médio e grande porte que vivem em regiões abundantes de água, de onde retiram seus alimentos, com uma dieta que consiste em peixes, crustáceos e invertebrados marinhos. Reproduzem-se em colônias de diversos indivíduos, sendo esta uma das características da ordem, o gregarismo, espécies cujos indivíduos vivem em grupos.
O guará possuía grande distribuição no litoral de São Paulo, mas dada a pressão pela caça, por suas penas de tonalidade avermelhada, diminuíram sua população e só voltaram a se restabelecer na década de 80.
- Ordem Suliformes
Atobá-marrom Sula leucogaster Brisson, 1760 voando na Ilha Christmas. Fonte: patrick kavanagh/Flickr (CC BY 2.0).
Estudos genéticos demonstram que quatro famílias anteriormente inseridas dentro da Ordem Pelecaniformes constituem um grupo separado, sendo assim, fragatas, atobás, biguá e biguatinga foram incluídos nessa nova ordem, Suliformes.
Os atobás são os representantes mais presentes no Nordeste e Sudeste do país, são excelentes mergulhadores e podem atingir 20 metros de profundidade. Fragatas estão distribuídas no Atlântico e no Pacífico, sendo encontradas em todo o litoral brasileiro. A biguatinga é um animal de 88 centímetros de comprimento, com bico alongado e serrilhado, que auxilia a fisgar os peixes, por não possuírem glândulas uropigianas, não impermeabiliza as penas, e quando mergulham, as mesmas tende a acumular mais água.
O biguá, conhecido como mergulhão, atinge até 77 centímetros de comprimento, a plumagem é de coloração preta e o saco gular, bolsa de pele inflável na região cervical, amarela. O pescoço é longo, o bico é cinza amarelado e a ponta tem um formato de gancho, no período de reprodução aparecem penas brancas na garganta nua e tufos brancos atrás da região auricular.
Vale ressaltar que, dependendo da fonte utilizada, os dados taxonômicos podem sofrer variações, para o desenvolvimento deste artigo utilizou-se a Lista comentada das aves do Brasil pelo Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos de 2015.
- Ordem Charadriiformes
Gaivota Larus dominicanus Lichtenstein, 1823 sobre rocha na África do Sul. Fonte: David Cook/Flickr (CC BY-NC 2.0).
Gaivotas, maçaricos e trinta-réis estão inseridas nessa ordem, sendo cerca de 350 espécies no total, incluindo aves de mar aberto, do deserto e das florestas, mas a maioria vive próxima à água.
A alimentação é baseada em peixes, invertebrados e outros pequenos animais. O grupo, que incluiu as gaivotas, são maiores e capturam peixes no mar, durante o voo. Costumam praticar cleptoparasitismo, ou seja, roubam comida de outras aves, mas essa não é a fonte principal de alimentação desses animais, são consideradas oportunistas.
Realizam migrações durante o inverno e em temporadas não reprodutivas as aves se reúnem ao longo da costa em grande concentração. As espécies que constroem ninhos nas zonas costeiras buscam praias de areia, regiões de cascalho ou terreno pantanoso próximo à beira-mar. Já na época de reprodução, essas aves possuem limitações quanto a quantidade e áreas de ninhos que controlam a escolha de habitat.
IMPACTOS SOFRIDOS POR ESSAS ESPÉCIES
Segundo um estudo divulgado pela Revista Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America (PNAS), nove em cada dez aves marinhas possuem plástico no estômago. Caso não ocorram mudanças no comportamento dos seres humanos até 2050, 99% das aves marinhas possuirão plástico em seu estômago.
Os resíduos sólidos como plásticos, anzóis e afins são lançados no oceano, podendo vir tanto por descarte inadequado nas cidades não litorâneas e litorâneas, quanto por carga e descarga em alto-mar por navios e barcos pesqueiros. Algumas estimativas apontam que cerca de oito milhões de toneladas de plástico seriam descartados no oceano por ano. Esses materiais são ingeridos acidentalmente pelas aves, podendo ter graves consequências como bloqueio do trato digestivo até a morte do animal.
Outra forma de impacto é a poluição marinha por descarte de petróleo. O petróleo compromete as penas, diminuindo a impermeabilização e as habilidades do vôo, além de poder causar diversos problemas de pele e oculares; a ingestão gradativa desse resíduo causa desequilíbrio hormonal, que influencia no crescimento e reprodução.
Algumas aves marinhas, como os albatrozes, sofrem com a captura não intencional por barcos que utilizam espinhel, uma técnica de pesca utilizada em águas mais profundas para apanhar peixes. Isso acontece porque ao tentar comer as iscas, o albatroz e outras aves ficam presas no anzol e morrem afogadas.
Sabe-se que é necessário conservar o ecossistema como um todo para que todas as espécies que utilizam o ambiente sejam protegidas de grandes impactos ou de sofrerem risco de extinção. Para que ocorra a redução dos impactos sobre as populações de aves marinhas é necessário modificar a maneira de praticar a pesca, utilizando por exemplo torilines - linhas com bandeirolas presas ao espinhel utilizadas para afastar os animais, descartar resíduos de maneira correta a fim de evitar mortes pela ingestão desses materiais.
Embarcação de pesca com uma rede toriline. Fonte: Projeto Albatroz, 2017.
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Bibliografia
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