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Atenção no consumo de frutos-do-mar : a doença-de-Haff

Autores: João Antonio C. Veloso, Raphaela A. Duarte Silveira, Filipe G.R.C. Neves e Douglas F. Peiró


Fotografia de grupo de peixes da mesma espécie suspensos. O enquadramento e a aproximação da fotografia mostra três cabeças cinzas com olhos laranjas de peixes entre outras caudas  com coloração esverdeada.

Foto de peixes à venda em um mercado. Fonte: Tomascastelazo/Wikimedia Commons (CC BY-SA 3.0).



Doença de Haff ou doença da urina preta. Casos recentes de ocorrência da doença, associada à ingestão de frutos do mar, em municípios costeiros de alguns estados brasileiros têm alarmado as autoridades. A doença tem por característica principal deixar a urina com cor escura e é capaz de causar óbito em até 24h.



QUAL A ORIGEM DA DOENÇA?


A doença da urina preta, também chamada de doença-de-Haff, foi diagnosticada pela primeira vez em 1924 próximo ao Mar Báltico em pessoas que moravam ao norte da Laguna Haff. Essas pessoas foram diagnosticadas após consumirem os peixes Burbot, Lota lota e enguias de água doce, Anguilla anguilla. Os principais sintomas dessa doença são a cor escura da urina e a dor muscular, que afeta os músculos dos ombros, do pescoço e das costas.


Fotografia aérea de satélite da laguna Haff. A água está representada pela cor azul escura e o continente com a cor verde para vegetação e rosa para áreas sem vegetação. Destaca-se a presença da laguna, um corpo de água dentro do continente com conexão para a região oceânica parcialmente fechada através de uma linha de costa estreita.

Vista de satélite da Laguna Haff situada no Mar Báltico. Fonte NASA (Domínio Público).



Após o primeiro caso diagnosticado, a síndrome se tornou recorrente na região do Mar Báltico apresentando mais de 1000 casos registrados. Do mesmo modo, a doença se espalhou para outras regiões do planeta. O Japão, por exemplo, registrou 13 casos esporádicos no período entre 1990 e 2008 com o consumo de peixes recifais. A China, por sua vez, apresentou uma grande quantidade de casos: foram 641 ocorrências entre os anos de 2000 e 2016 e que estavam relacionados ao consumo de lagostins. A doença também alcançou outros continentes como as Américas. Os Estados Unidos, por exemplo, registraram o primeiro caso em 1984 no estado do Texas, quando pessoas ao consumirem o peixe de água doce chamado de búfalo-boca-grande, Ictiobus cyprinellus, apresentaram os sintomas da doença.


No Brasil, segundo o boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, já existem registros em 9 estados (Alagoas, Bahia, Ceará, Goiás, Amazonas, Pará, Pernambuco, São Paulo e Amapá). Em Salvador (BA), em Recife (PE) e no Ceará pessoas foram acometidas pela doença após consumo do peixe-olho-de-boi Seriola lalandi. Na região Norte ocorreu um surto da síndrome, na qual todos os estados apresentaram a doença após o consumo de peixes de água doce. No Pará ocorreu a suspeita de 22 casos, enquanto no Amazonas 44 casos foram confirmados. O Amapá apresentou a confirmação de 4 casos da doença-de-Haff, primeira vez na história do estado que foi registrada a doença.

Ilustração e Fotografia do Peixe Burbot (Lota lota), Enguia de Água Doce (Anguilla anguilla) e Peixe-olho-de-boi (Seriola lalandi) respectivamente. Sobre a ilustração em forma de desenho, observa-se visão lateral do Peixe Burbot com cores predominantemente marrom-amarelado e com destaque para sua linha lateral. Sobre a ilustração da Enguia de Água Doce, observa-se visão superior da enguia, de cor predominantemente cinza escuro com tons claros na regial abdominal. Sobre a fotografia do Peixe-olho-de-boi, observa-se sua visão lateral, de cor predominantemente cinza em tons claros abaixo da linha lateral, sendo tons amarelados em sua cauda e nadadeiras.

(1) Peixe Burbot, Lota lota, (2) enguia de água doce, Anguilla anguilla e (3) peixe olho-de-boi, Seriola lalandi. Fonte: (1) adaptado de NOAA (CC BY-SA 2.0), (2) Kruger/Wikimedia Commons (Domínio Público) e (3) IFREMER (CC BY 4.0).



QUAL A CAUSA DA DOENÇA?


Os estudos apontam que os sintomas da doença-de-Haff, como a cor escura da urina e as dores musculares, são devidos à presença de uma toxina ainda desconhecida pela ciência, a qual causa a destruição das fibras musculares, um quadro chamado de rabdomiólise e consequente insuficiência renal.


A principal característica da doença-de-Haff consiste no quadro de Rabdomiólise, onde as células musculares são destruídas e seus conteúdos celulares lançados no sangue. Isso ocasiona a sobrecarga dos rins para filtrar as células mortas que saem diretamente pela urina, deixando-a em uma coloração escura. O fato da ausência de febre e rápido início dos sintomas após o consumo do pescado, indica a possibilidade da toxina desconhecida apresentar um caráter de estabilidade às mudanças de temperatura, ou seja, não é destruída com o cozimento do alimento.


Há relatos da ocorrência da enfermidade de Haff em humanos após a ingestão de peixes de água doce, salgada e salobra e de crustáceos, sendo a principal evidência, no estudo de vigilância em saúde, de que a doença seja causada por palitoxinas (toxinas que contraem vasos sanguíneos), produzidas por corais e dinoflagelados que causam paralisia cerebral e necrose dos músculos.


Entretanto, há a necessidade latente de mais estudos clínicos sobre a enfermidade, mas também há hipóteses de que a doença pode ocorrer devido à deficiência de vitamina B1. No entanto, a relação entre a doença-de-Haff e a vitamina B1 ainda não foi estudada o suficiente.


Infográfico dos sintomas da doença da urina preta. Figura com fundo degradê azul e branco com corpo humano com azul sobreposto no centro da imagem. Quatro setas pretas indicando os sintomas da doença partem da cabeça (dor de cabeça e tontura), costas (rigides e dores musculares que variam d eleve a intensa dor nos ombros, pescoço e região da lombar), barriga (vômitos, dor abdominal e diarreia) e pelvis (coloração escura da urina).

Infográfico dos sintomas da doença da urina preta. Fonte: © 2021 João A. C. Veloso.



É recomendável que os consumidores tenham precaução quando adquirirem peixes e crustáceos. Atenção para consumir os animais mais frescos para evitar possíveis contaminações pelo armazenamento ou transporte dos alimentos. Caso tenha alguma suspeita, procure imediatamente o hospital mais próximo e informe a secretaria de saúde de seu município.


Quanto aos produtores, é indispensável o cuidado criterioso em todos os passos da cadeia produtiva do pescado. Devendo, assim, dispor de técnicas de gestão de qualidade de seus produtos alinhados às necessidades de cada etapa, desde o momento inicial da captura do pescado, da conservação do produto, do processamento e do transporte do alimento até a disposição para o consumidor.




Bibliografia


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PEI et al., The Emergence, Epidemiology, and Etiology of Haff Disease. Biomedical And Environmental Sciences, Pequim, v. 10, n. 32, p. 769-778, 2019.






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