Autores: Catarina Amazonas, Raphaela A. Duarte Silveira, Raphaela Alt Müller e Douglas F. Peiró

Orca saltando da água na Colúmbia Britânica (Canadá). Fonte: Thomas Lipke/Unsplash.
As orcas sempre despertaram um fascínio, desde filmes de Hollywood até espetáculos em parques temáticos. Contudo, por trás dessa admiração há uma narrativa sombria e problemática de exploração. Nos Estados Unidos, especialmente, a utilização de orcas para entretenimento suscitou diversas questões éticas e morais, assim desencadeando um longo debate sobre os limites da exploração animal em prol do entretenimento humano.
HISTÓRICO
Na década de 60, as orcas - também conhecidas como baleias-assassinas - começaram a ser capturadas e exploradas para fins de entretenimento. Elas eram postas em parques temáticos marinhos, como o SeaWorld, onde se tornavam exibições públicas, realizando acrobacias elaboradas e interagindo com seus treinadores. Entretanto, a realidade desse cenário é a crueldade das capturas e do confinamento antiético de orcas.
A primeira captura foi de uma orca chamada Namu, vendida por U$8.000 para o aquário marinho de Seattle, em 1965. O proprietário desse aquário era Ted Griffin, e ele foi um dos responsáveis por expandir a indústria de captura de orcas nos Estados Unidos. A demanda por atrações com orcas cresceu rapidamente, e não haviam regulações para a captura delas na natureza. Dessa forma, surgiu uma empresa de captura, a Namu Inc., criada por Griffin, com o intuito de abastecer os parques temáticos marinhos. Tal empresa foi responsável pela captura da orca Shamu, quando ela era apenas um filhote, e pela morte de sua mãe com um lançador de arpões. Shamu foi enviada para o parque SeaWorld de San Diego, o principal cliente de Griffin.

Orca Ulisses, capturada em 1980, em seu espetáculo no Zoo Barcelona. Fonte: Marthamrth/Wikimedia Commons (CC BY-SA 4.0).
A atividade de captura de orcas só foi encerrada em 1972, com o decreto da Lei de Proteção de Mamíferos Aquáticos. No entanto, o SeaWorld teve a chance de continuar realizando capturas legalmente, ao apresentar uma isenção por dificuldades financeiras. No processo de captura, as orcas eram retiradas de seus habitats, separadas de suas famílias ou mortas por arpões e explosivos, e transportadas para cativeiros onde eram sujeitas a condições precárias e muito diferentes daquelas encontradas em seu ambiente natural.
Em 1976, o governador do Estado de Washington venceu uma batalha legal contra o SeaWorld, assim proibindo a empresa de capturar orcas em Washington. Porém, isso não impediu a empresa de continuar caçando os animais em outros locais, como no Alasca e na Islândia.
A caça desses animais chegou ao fim nos Estados Unidos, mas as orcas ainda enfrentam a vida em cativeiro até os dias atuais.
VIDA EM CATIVEIRO
Já no início, a separação forçada de suas famílias e grupos sociais causa problemas comportamentais sérios, como agressão contra os outros animais e automutilação. Enquanto na natureza esses animais passam grande parte do tempo submersos, os tanques dos parques são rasos demais. Assim, as orcas ficam mais expostas ao sol e sofrem queimaduras, as quais são muitas vezes disfarçadas com óxido de zinco preto. Contudo, as queimaduras não são o único problema de saúde provocado pela vida em cativeiro, já que podemos citar relatos de infecções, problemas dentários e estresse crônico responsável por comprometer significativamente o sistema imunológico desses animais.

Apresentação de orca em um parque temático em San Diego, nos Estados Unidos. Fonte: Joseph Stalin/Unsplash.
Além disso, o espaço confinado limita drasticamente a movimentação das orcas, as quais estão acostumadas a nadar mais de 200 quilômetros diariamente na natureza. A sua expectativa de vida também sofre alterações, uma vez que no SeaWorld, as orcas morrem, em média, aos 14 anos, enquanto as que vivem na natureza têm uma expectativa de vida de 30 a 50 anos.
Também devemos levar em consideração o registro de acidentes no SeaWorld, o qual contém mais de 100 incidentes com orcas, levando a lesões e até morte dos treinadores, sendo que na natureza, não há um registro sequer de orcas atacando humanos. Nesse contexto, é importante ressaltar que muitos dos treinadores das orcas não têm formação em biologia marinha ou veterinária e são responsáveis por disseminar muita desinformação sobre os animais.
No geral, o cativeiro traz consequências graves para o bem-estar físico e psicológico dos animais capturados. Por outro lado, esse problema ocasionou um movimento de ativismo e conscientização, especialmente nos Estados Unidos, que visa a defesa dos direitos animais e luta contra o cativeiro das orcas e de outros animais marinhos. É importante retratar esse cenário, apesar das mudanças positivas na legislação e do decaimento desta indústria, para que a sociedade priorize a liberdade, o bem-estar e a dignidade dos animais, uma vez que o debate sobre a exploração de animais para entretenimento está longe de acabar.
Podemos mencionar inúmeras tristes histórias sobre orcas em cativeiro. Uma delas é a história de Lolita, uma orca de 56 anos que foi capturada em 1970 por pescadores locais, em uma pesca que prendeu cerca de 90 orcas nas redes e matou 4 filhotes. Lolita passou 40 anos sozinha no parque Miami Seaquarium, em um tanque de 26 por 11 metros, e finalmente seria solta, após décadas em cativeiro. Sua soltura - alcançada por um “acordo vinculativo” do Miami Seaquarium com a organização sem fins lucrativos Friends of Lolita (Amigos de Lolita) - não seria sem dificuldades, uma vez que Lolita provavelmente permaneceria em um tipo de cercado marinho, se reconectando acusticamente com o grupo do qual foi deslocada décadas atrás e sentindo as águas de seu habitat natural. Isso porque, após anos vivendo em cativeiro, Lolita seria incapaz de se alimentar e de sobreviver por conta própria. Segundo Jason Colby, historiador ambiental e professor da Universidade de Victoria, tratava-se de uma “vitória poderosa e simbólica". Sendo o autor do livro “Orca: How We Came to Know and Love the Ocean’s Greatest Predator” (“Orca: como conhecemos e amamos o maior predador do oceano”), ele argumentou ainda que "se a volta dela fizer com que as pessoas se comprometam a garantir que estes grupos de orcas tenham um lugar saudável para viver, será um grande sucesso". No entanto, em agosto de 2023, Lolita faleceu, ainda em cativeiro, sem nunca ter voltado ao mar.

Espetáculo da orca Lolita no Miami Seaquarium. Fonte: Leonarda Dasilva/Wikimedia Commons (CC BY 2.0).
SITUAÇÃO ATUAL
O SeaWorld e outros parques temáticos semelhantes anunciaram planos de encerramento gradual de seus shows de orcas. Além disso, após enfrentar inúmeras críticas da PETA (Pessoas pelo Tratamento Ético dos Animais) e pressão pública, o SeaWorld enfim encerrou o seu programa de reprodução de orcas. Atualmente, o foco está em programas de conservação e educação ambiental que promovem a proteção das orcas e a preservação do seu habitat natural.
As orcas são animais inteligentes e complexos, com estruturas sociais específicas e uma grande capacidade emocional. Mantê-las em cativeiro, assim privando-as de seu habitat natural e da sua liberdade é uma prática antiética que fere os direitos animais. Da mesma forma, os treinamentos e apresentações realizados para o nosso entretenimento envolvem técnicas estressantes e cruéis às orcas, como o repetimento excessivo de exercícios e o isolamento.
Por isso, enquanto buscamos formas de apreciar e interagir com os animais, assim promovendo sua conservação, é essencial que isso seja feito de uma forma que respeite e proteja os direitos e a dignidade dos animais.

Grupo de orcas nadando livremente no Canadá. Fonte: Miles Loewen/Unsplash.
Bibliografia
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