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Até mais e obrigado pelos peixes! Como os cetáceos surgiram e do que eles são capazes

Atualizado: 1 de out. de 2021

Autores: Weverton Carlos Ferreira Trindade, Raphaela A. Duarte Silveira e Thais R. Semprebom

Foto de duas orcas saltando no oceano, com cerca de dois terços do corpo para fora da água. No primeiro plano vemos um delas lateralmente. No segundo plano vemos a outra ventralmente.

Os cetáceos são um grupo de mamíferos que são exclusivamente aquáticos. Fonte: skeeze/Pixabay.



Os cetáceos, que têm como principais representantes as baleias e os golfinhos, são um grupo de mamíferos que vivem exclusivamente na água. Embora a maioria dos cetáceos seja reconhecida pela sua aparência e comportamento amigável, o nome do grupo tem origem em um monstro marinho da mitologia grega chamado Cetus.



Ilustração do Cetus, um monstro aquático da mitologia grega. Os dois membros dianteiros parecem mãos com quatro dedos e unhas. O membro posterior é uma cauda com nadadeiras. Há também nadadeiras dorsais. O focinho é largo com duas narinas. Abaixo da boca parece haver pelos.

Ilustração do Cetus, monstro aquático da mitologia grega que deu origem ao nome cetáceos. Fonte: Sidney Hall/Wikipedia (Domínio Público).



As baleias compreendem os cetáceos que possuem barbatanas ao invés de dentes (Mysticeti ou baleen whales). Essas barbatanas são formadas por placas de queratina (mesma estrutura que forma nossas unhas e cabelos) que ajudam a filtrar e capturar os alimentos na água. Estes cetáceos compreendem animais famosos como a baleia-jubarte, a baleia-franca e a baleia-azul. Já os golfinhos e orcas são exemplos de cetáceos com dentes (Odontoceti), membros da família Delphinidae.



Foto de um filhote de baleia-cinzenta com a cabeça para fora da água e com boca aberta, mostrando as placas de queratina.

Filhote de baleia-cinzenta, com suas barbatanas (placas de queratina na boca) que ajudam a filtrar o alimento na água. Fonte: Michael Greenfelder/Alamy/Smithsonian (2007).



Foto de uma orca com a cabeça para fora da água e com a boca aberta, mostrando os dentes pontiagudos.

As orcas, comumente chamadas de baleias-assassinas, são cetáceos dentados que pertencem à família dos golfinhos. Fonte: Pixnio (Domínio Público).



Existem ainda outros cetáceos que não são nem do grupo das baleias com barbatanas nem do grupo dos golfinhos. É o caso dos focenídeos, narvais, belugas, baleias bicudas e cachalotes.


Imagem formada por quatro fotos. 1- um focenídeo no fundo do mar. 2- um narval com a cabeça e seu enorme dente para fora da água. 3- uma beluga no fundo do mar. 4- uma cachalote com seu filhote no fundo do mar.

Além de baleias e golfinhos, os cetáceos também incluem focenídeos (A), narvais (B), belugas (C) e cachalotes (D). Fontes: Marcus Wernicke/WikimediaCommons (CC BY-SA 4.0), Glenn William/Ocean, Premier.gov.ru/WikimediaCommons (CC BY 4.0), Gabriel Barathieu/Wikipedia (CC BY-SA 2.0).



VACAS-SEREIAS? A INCRÍVEL ORIGEM DOS CETÁCEOS


A evolução dos cetáceos é um dos casos mais intrigantes dentro da Biologia. Os parentes evolutivos vivos mais próximos dos cetáceos são os artiodátilos, grupo que compreende hipopótamos, vacas, porcos e camelos. A proximidade evolutiva desses animais é tão grande que análises moleculares mais recentes sugerem que cetáceos e artiodátilos deveriam formar um único grupo chamado Cetartiodactyla.


Um estudo utilizando análises moleculares inclui os cetáceos dentro do grupo dos Artiodátilos (ruminantes, suínos e camelídeos). Fonte: Spaulding, O’Leary e Gatesy (2009).



Já na década de 1990 os cientistas desconfiavam dessa proximidade entre cetáceos e artiodátilos. Duane Gish, um grande defensor da pseudociência Design Inteligente, chegou a satirizar a descoberta, dizendo que só acreditaria nisso se encontrassem um fóssil de um organismo metade vaca e metade baleia.



Ilustração mostrando um animal fictício formado pela cabeça e o tronco de uma vaca e a cauda de uma baleia.

“Vaca-sereia”, desenho apresentado por Duane Gish, satirizando a evolução dos cetáceos. Fonte: Gish (1996) apud Stück (2015).



É claro que o surgimento dos cetáceos não ocorreu quando vacas decidiram virar sereias. Os primeiros cetáceos surgiram há cerca de 50 milhões de anos, derivados de populações antigas de artiodátilos terrestres que gradualmente foram passando cada vez mais tempo na água. Existem vários fósseis de cetáceos que mostram como ocorreu essa transição gradual do ambiente terrestre para o ambiente aquático. O encurtamento dos ossos da pelve, a perda dos membros posteriores e o surgimento de uma cauda são as principais adaptações que facilitaram o nado e permitiram esta transição.



Alt txt: ilustração mostrando a transição gradual de mamíferos do ambiente aquático para o ambiente terrestre. Na Figura A, ilustração de um mamífero em meio terrestre, próximo a água. Na Figura B, ilustração de um mamífero semelhante ao da figura A caçando com o corpo totalmente imerso dentro da água. Na Figura C, ilustração de um mamífero semelhante ao da figura B, mas com membranas entre os dedos das patas para facilitar o nado. Figuras D e E mostram mamíferos semelhantes ao da figura C também caçando embaixo da água, mas com os membros posteriores encurtados. Na Figura F, mamífero aquático com os membros anteriores semelhantes a uma nadadeira, enquanto os mamíferos das Figuras G e H apresentam nadadeiras caudais e ventrais.

Ilustrações feitas a partir de fósseis de Cetáceos primitivos mostram a transição do ambiente terrestre para o ambiente aquático. Fonte: Buell (2012).



A SEGUNDA ESPÉCIE MAIS INTELIGENTE DA TERRA?


A saga de livros de ficção científica cômica “O Guia do Mochileiro das Galáxias” é considerada uma das mais importantes dentro da cultura nerd. No seu primeiro livro da saga, Douglas Adams descreve os golfinhos como a segunda espécie mais inteligente da Terra (spoiler: os seres humanos são apenas a terceira mais inteligente):


"É um fato importante, e conhecido por todos, que as coisas nem sempre são o que parecem ser. Por exemplo, no Planeta Terra, os humanos sempre se consideraram mais inteligentes que os golfinhos, porque haviam criado tanta coisa – a roda, Nova York, as guerras, etc. –, enquanto os golfinhos só sabiam nadar e se divertir. Porém, os golfinhos, por sua vez, sempre se acharam muito mais inteligentes que os humanos – exatamente pelos mesmos motivos."


No mundo real os cetáceos também são reconhecidos por suas habilidades sociais e cognitivas, que costumam ser comparadas às habilidades humanas. Os golfinhos estão no seleto grupo de animais que conseguem se reconhecer no espelho, capacidade que nós humanos adquirimos só com cerca de 1 ano e meio de idade.


Outra capacidade incrível dos cetáceos é a comunicação. Dentro de um grupo cada golfinho é identificado por um ‘assovio’ diferente, que funciona como se fosse um nome próprio ao qual eles respondem. Além dessa boa capacidade de comunicação, os golfinhos também têm uma excelente memória: em um experimento, os golfinhos conseguiram reconhecer o chamado de companheiros que foram transferidos para outros zoológicos, mesmo eles estando separados há 20 anos!


Na Argentina, as orcas adultas ensinam as mais jovens a “brincar de encalhar” e desencalhar na praia, treinando as mais jovens para caçar leões-marinhos perto da areia. As baleias-jubarte também foram capazes de transmitir culturalmente umas para as outras uma excelente tática de pesca: elas produzem bolhas embaixo d’água, que funcionam como uma “rede que prende” os peixes que servirão de alimento para as baleias.


Voltando à ficção: em “O Guia dos Mochileiros das Galáxias” os golfinhos utilizam toda essa capacidade comunicativa para tentar avisar a humanidade de um iminente fim do nosso planeta:


“Curiosamente, há muito que os golfinhos sabiam da iminente destruição do planeta, e faziam de tudo para alertar a humanidade; porém suas tentativas de comunicação eram geralmente interpretadas como gestos lúdicos com o objetivo de rebater bolas ou pedir por comida, e por isso acabaram desistindo e abandonaram a Terra por seus próprios meios antes que os vogons [alienígenas cruéis] chegassem. A derradeira mensagem dos golfinhos foi entendida como uma tentativa extraordinariamente sofisticada de dar uma cambalhota dupla para trás assobiando o hino nacional, mas na verdade o significado da mensagem era: Até mais e obrigado pelos peixes!


No mundo real os golfinhos também estão ameaçados. A poluição dos ambientes aquáticos, a caça e até mesmo o aquecimento global são fatores que têm colocado a existência destes animais incríveis em risco.



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Bibliografia


ADAMS, D. O Guia do Mochileiro das Galáxias. São Paulo: Arqueiro, 2009.


ALLEN, J. et al. Network-Based Diffusion Analysis Reveals Cultural Transmission of Lobtail Feeding in Humpback Whales. Science, v. 340, n. 6131, p. 485–488, 2013. Disponível em: <https://science.sciencemag.org/content/340/6131/485>. Acesso em: 04 ago. 2019.


BRUCK, J. N. Decades-long social memory in bottlenose dolphins - 20 years later they remember the dolphins they knew. Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences, v. 280, n. 1768, 2013. Disponível em: <https://royalsocietypublishing.org/doi/10.1098/rspb.2013.1726>. Acesso em: 04 ago. 2019.


GATESY, J. et al. A phylogenetic blueprint for a modern whale. Molecular Phylogenetics and Evolution, v. 66, n. 2, p. 479–506, 2013. Disponível em: <https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1055790312004186>. Acesso em: 04 ago. 2019.


GUINET, C. Intentional stranding apprenticeship and social play in killer whales (Orcinus orca) . Canadian Journal of Zoology, v. 69, n. 11, p. 2712–2716, 2008. Disponível em: <https://www.nrcresearchpress.com/doi/10.1139/z91-383#.XUcYzW3QjIU>. Acesso em: 04 ago. 2019.


JANIK, V. M.; SAYIGH, L. S.; WELLS, R. S. Signature whistle shape conveys identity information to bottlenose dolphins. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 103, n. 21, p. 8293–8297, 2006. Disponível em: <https://www.pnas.org/content/103/21/8293>. Acesso em: 04 ago. 2019.


REISS, D.; MARINO, L. Mirror self-recognition in the bottlenose dolphin: A case of cognitive convergence. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 98, n. 10, p. 5937–5942, 2001. Disponível em: <https://www.pnas.org/content/98/10/5937>. Acesso em: 04 ago. 2019.


SPAULDING, M.; O’LEARY, M. A.; GATESY, J. Relationships of Cetacea (Artiodactyla) among mammals: Increased taxon sampling alters interpretations of key fossils and character evolution. PLoS ONE, v. 4, n. 9, 2009. Disponível em: <https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0007062>. Acesso em: 04 ago. 2019.



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