Autores: Heloá Borges, Raphaela Duarte, Thais R. Semprebom, Rodrigo Ilho e Douglas F. Peiró
A invasão de espécies exóticas empobrece os ecossistemas, causando perda significativa da biodiversidade. Fonte: Fascinating Universe/Wikimedia Commons (CC BY-SA 3.0).
Com o aumento de transporte intercontinental, diversas espécies de plantas e animais são deslocadas dos seus habitats naturais para novos ambientes. Uma espécie exótica, ou não nativa, é aquela que ocorre fora da sua área de distribuição geográfica e não necessariamente representa riscos à biodiversidade do novo local, pois pode não afetar as outras espécies ali existentes.
Já as espécies exóticas invasoras (ou somente espécies invasoras) são aquelas que ocorrem fora da sua área de distribuição e que interferem no ecossistema no qual foram inseridas, podendo causar prejuízos à saúde humana e à economia ou provocando impactos ambientais negativos. Atualmente, as espécies invasoras são um dos maiores desafios ambientais: elas competem por alimento e território com espécies nativas, geralmente não possuem predadores naturais e se reproduzem com uma velocidade considerável.
No ambiente marinho, o controle dessas espécies é muito mais difícil. As barreiras físicas e ecológicas que delimitam as regiões de expansão natural de uma espécie marinha são menos perceptíveis do que no ambiente terrestre.
COMO ESSES ORGANISMOS SÃO INTRODUZIDOS?
Espécies exóticas são introduzidas intencionalmente ou acidentalmente no meio ambiente e isso vem provocando uma perda significativa da biodiversidade por todo o planeta. Os meios de introdução nos ecossistemas marinhos são diversos, dentre os mais comuns estão:
aquarismo comercial irresponsável;
irregular introdução de espécies atrativas para a pesca esportiva;
fuga de animais criados em tanques de aquicultura;
o uso de alguma espécie para controle biológico de forma equivocada;
a descarga da água de lastro de embarcações contendo formas larvais ou adultas de organismos.
A água de lastro tem como objetivo aumentar ou diminuir a flutuabilidade, permitindo que o barco realize as manobras de modo mais eficiente durante todas as etapas do percurso. Fonte: adaptado de Ministério do Meio Ambiente. Ilustrado por Arthur Germano.
ESPÉCIES INVASORAS INTRODUZIDAS POR AÇÕES ANTRÓPICAS
Espécies invasoras se adaptam facilmente a ambientes degradados e antropizados (modificados pelo ser humano). Conforme o homem conquista novos territórios, diferentes organismos são transportados e disseminados, acelerando o processo de invasões e desequilíbrio ecológico. Três dessas espécies são mundialmente conhecidas devido às suas características de resistência e adaptação a novos ambientes. São elas: o peixe-leão, o coral-sol e o mexilhão-dourado, das quais falaremos a seguir.
PEIXE-LEÃO (Pterois volitan)
Graças às longas e ornamentadas nadadeiras, o peixe-leão é considerado um dos peixes mais bonitos que existem. É utilizado em aquarismo mundialmente. Fonte: Skitterphoto/Pexels (Domínio Público).
Uma das espécies invasoras mais conhecidas mundialmente é o Peixe-leão (ou lionfish). Diversas cores vivas, listras e nadadeiras exuberantes fizeram dessa espécie um belo exemplar nos aquários do mundo, até que ela se tornou ‘o terror’ do Atlântico, após ser descartado indevidamente pelos próprios aquaristas em ambientes em que não ocorriam.
Natural dos oceanos Índico e Pacífico, o peixe-leão é visto fora do seu habitat natural desde 1992 e vem se alastrando de forma devastadora com o passar dos anos. Estudos realizados recentemente nas Bahamas apontam que lá são encontrados quase 400 exemplares de peixes-leão a cada 10000 metros quadrados, o que é cinco vezes maior do que nos recifes do Mar Vermelho, onde ele ocorre naturalmente!
Alguns fatores contribuem diretamente para essa dispersão, como a voracidade do peixe-leão como predador, já que os peixes nativos do Oceano Atlântico não o reconhecem como inimigo natural e acabam se tornando presa fácil. Outro aspecto a ser levado em consideração é o fato de que a população de espécies que atuam como competidoras do peixe-leão, como garoupas, badejos e alguns tubarões, diminuíram com a sobrepesca.
A espécie invadiu o litoral leste dos Estados Unidos e chegou à América do Sul. Relatos apontam que aquaristas soltaram espécimes no mar e, graças às suas características adaptativas, elas conquistam cada vez mais territórios marinhos. Em 2015 já haviam sido relatados 5 exemplares no Brasil, sendo 2 deles no Rio de Janeiro.
CORAL-SOL (Tubastraea coccinea e T. tagusensis)
O coral-sol domina o espaço que antes era ocupado por espécies nativas, como outros corais, algas e esponjas. (Tubastraea tagusensis). Fonte: Maraguary/Wikimedia Commons (Domínio Público).
O coral-sol é uma espécie invasora que ameaça a biodiversidade marinha desde a década de 80, quando foi introduzido no litoral do Rio de Janeiro por meio de plataformas de petróleo e gás, atingindo nossos costões rochosos e se espalhando rapidamente ao longo da costa. O invasor é uma espécie asiática e, assim como o peixe-leão, também veio das águas do Índico e do Pacífico.
Dentro do gênero Tubastraea existem duas espécies que estão preocupando biólogos e ambientalistas: T. coccinea e T. tagusensis. Essas espécies contam com alguns aspectos positivos para sua disseminação nos ecossistemas:
são tolerantes à altas temperaturas;
resistentes à dessecação;
incrustam em diferentes tipos de substratos;
se reproduzem 3 vezes mais rápido do que as espécies nativas (possuem alta produção de larvas e uma idade reprodutiva precoce);
são hermafroditas, e podem se reproduzir de forma sexuada ou assexuada.
Além dos prejuízos ecológicos como a redução da fauna e da flora, desequilíbrio no ecossistema e alterações físicas e químicas do habitat, a produção pesqueira também pode ser afetada se levarmos em consideração o fato de que boa parte das espécies de peixes da costa brasileira se alimenta nos recifes construídos pelos corais nativos. Se o alimento diminuir, esses peixes irão se deslocar para outras áreas mais ricas em fontes nutritivas.
MEXILHÃO-DOURADO (Limnoperna fortunei)
O mexilhão-dourado é um molusco bivalve que se fixa em praticamente qualquer substrato. Onde ele se dissemina, passa a ocupar o lugar de espécies nativas, alterando todo o ecossistema. Fonte: Lucianosjb1/Wikimedia Commons (Domínio Público).
O mexilhão-dourado é um molusco de água doce e foi introduzido na América do Sul junto com água de lastro de navios que ancoravam na Argentina. Ele é originário da China, mas atualmente pode ser encontrado em diversos países, como Uruguai, Paraguai, Bolívia e até mesmo na região do Pantanal, no Brasil. Essa espécie invasora apresenta alta taxa de crescimento populacional, reprodução rápida e grande capacidade de incrustação, podendo se alastrar por grandes áreas em um curto espaço de tempo.
Os prejuízos são devastadores e podem ser relacionados à economia, à saúde humana e ao meio ambiente. Algumas das consequências negativas são a obstrução de filtros e sistemas industriais de usinas hidrelétricas, de tubulações de captação de água potável, danos a motores de embarcações ou alterações nos ecossistemas.
O QUE FAZER?
Olhando o tamanho do problema parece que não há nada que possamos fazer, não é mesmo? Mas existem algumas atitudes que podem contribuir muito para amenizar essa situação. Em alguns países como a Jamaica e EUA, a caça e a pesca de espécies consideradas exóticas invasoras é permitida. No caso do peixe-leão, ele pode ser capturado e vendido para fins ornamentais ou culinários.
O controle do coral-sol é um assunto bem delicado. Quando sua remoção do ecossistema é feita de forma mecânica (raspagem) ou com a utilização de fontes de calor ou luz ultravioleta, pequenos fragmentos de tecidos da espécie se desprendem, podendo gerar novas colônias.
Já o controle do mexilhão-dourado é ainda mais difícil: ele não possui predadores naturais, não serve para o consumo humano e as únicas formas de erradicá-lo, encontradas até o momento, são por meio de remoção mecânica, por meio de produtos químicos, o que poderia afetar todo o ecossistema local se fosse colocado em prática.
As metas para controle e erradicação de uma espécie exótica invasora devem visar à restauração do ambiente e sua funcionalidade como um todo, não somente à retirada de determinada espécie. Seja através da inserção de espécies predadoras, utilização de substâncias químicas ou retirada manual, o controle de uma espécie invasora deve ser feito de modo eficiente e que não afete ainda mais o ecossistema no qual ela está inserida.
Cabe aos órgãos competentes promover medidas mitigadoras para controle e prevenção das espécies exóticas que podem se tornar invasoras, mas também é indispensável que haja conscientização e mudança de atitudes da própria população. Para começar, você pode seguir essas três dicas:
Nunca libere animais exóticos no meio ambiente e, preferivelmente, não os compre;
Quando for viajar, antes de voltar para casa, certifique-se de limpar roupas, sapatos, bagagens e pneus, pois muitos organismos podem ser transportados sem que você perceba;
Participe de atividades voluntárias, informe parentes, vizinhos e amigos sobre a gravidade desse problema e oriente-os sobre como agir.
Precisamos agir coletivamente! Se desconfiar da ação de alguma espécie invasora, informe o órgão responsável mais próximo (IBAMA, Secretaria do Meio Ambiente, Polícia Ambiental, Corpo de Bombeiros ou institutos de conservação locais).
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Bibliografia
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