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Zonas de mar profundo

Atualizado: 1 de out. de 2021

Autores: Lucas Garcia Martins, Yuri Antônio da Silva Rocha, Raphaela A. Duarte Silveira, Thais R. Semprebom e Douglas F. Peiró



As áreas mais profundas dos oceanos, fossas abissais por exemplo, certamente inspiram o imaginário de muitas pessoas que se interessam pela vida marinha. No entanto, um dos pensamentos mais comuns quando se fala de mar profundo é a de que possui seres estranhos e assustadores como o peixe demônio lanterna Melanocetus johnsonii, mostrado no filme "Procurando Nemo". Contudo, o mar profundo é referente às áreas a partir da quebra da Plataforma Continental, começando em 200 m de profundidade até por volta de 11 mil metros nas Fossas Marianas.


Além disso, o mar profundo compreende várias zonas oceânicas: as zonas batial, abissal e hadal. Cada uma delas possui características físicas, químicas, geológicas e biológicas diferenciadas, ou seja, os organismos de cada zona são distintos morfológica e fisiologicamente.



No desenho esquemático descreve-se a zonação do oceano de acorod com a profundidade, na qual a zona epipelágica com luz vai de zero a 200 m de profundidade, seguida pela zona mesopelágica que vai de 200 até 1000 m de profundidade. Dos 1000 aos 3500 a zona batial, dos 3500 até 6500 a zona abissal e por fim dos 6500 m em diante a zona hadal".

Zonação do mar profundo, destacando as áreas bentônicas e pelágicas, considerando as principais características ambientais (biomassa fitoplanctônica, em verde, luz solar e temperatura em graus Celsius) Fonte: Ana Colaço et. al, 2017 (p. 14) (CC BY-NC-SA 4.0).



ZONAÇÃO DO MAR PROFUNDO


Atualmente a comunidade científica aceita a seguinte divisão para o mar profundo:

  • Zona batial: nesta área, observa-se o declive acentuado ao fim da Plataforma Continental. Esse acidente abrupto chama-se talude continental e que, em média, inicia-se aos 1000 m de profundidade até a faixa de 3500 m. A luz é quase ausente poucos animais vivem nessa área por apresentar muitas zonas de oxigênio mínimo (a soma das taxa de decomposição e taxa de respiração é maior que a reposição de oxigênio). Observam-se também muitas carcaças flutuando, devido à diferença da densidade da água da zona epipelágica, da zona batial até chegar, enfim, na zona abissal.

  • Zona abissal: um ambiente que se estende entre 3500 m e 6500 m, com pouca dinâmica de movimento de correntes, sem entrada de luz solar e uniformemente fria. Quanto às características faunísticas, as espécies geralmente são adaptadas à grandes pressões, à ausência de luz - sendo que alguns animais apresentam bioluminescência e visão muito sensível - e à escassez alimentar, dependendo dos resíduos orgânicos que vêm das camadas superiores. No entanto, a principal diferença dos animais abissais é a musculatura mais rígida que a dos peixes hadais, pois eles são predadores ativos que sobem até zonas mais rasas para se alimentar e retornam ao domínio abissal.

  • Zona hadal: corresponde aos ecossistemas distribuídos a partir de 6500 m de profundidade. Ela não é considerada uma extensão da zona abissal, pois nesta zona, devido à acumulação de matéria orgânica aliada à alta pressão e isolamento geográfico, houve uma elevada especiação e um alto grau de espécies endêmicas. Em relação aos peixes, podemos diferenciá-los dos abissais pela musculatura também. A musculatura dos peixes hadais é atrofiada, pois com a pouca disponibilidade energética, o consumo durante a natação é muito baixo, sendo principalmente demersais, ou seja, associados ao substrato porém com capacidade de natação. Além disso, é um ambiente com dois contrapontos: animais muito pequenos (pela falta de aporte alimentar, no caso os animais sésseis) e animais com gigantismo (devido à alta longevidade e processos metabólicos lentos, que os permite continuar crescendo constantemente, embora num ritmo mais lento, condição restrita apenas aos crustáceos isópodes, anfípodes e camarões, que podem ir atrás de alimento).



Ilustração científica que representa um peixe abissal, o peixe demônio pescador que possui uma grande boca voltada para cima com dentes finos e compridos que o dão uma aparÊncia assuatdora. Possui olhos bem grandes e uma antena com uma "lâmpada" na ponta que é uma capsula com produção de bioluminescencia para atrair suas presas

Representação esquematizada de um peixe abissal (técnica: pontilhismo). Fonte: ilustração elaborada por Yuri Antônio da Silva Rocha, 2020 ©.



CARACTERÍSTICAS DO MAR PROFUNDO


As características do mar profundo são próprias desse ambiente.

  • Luz: A partir da zona batial até a zona hadal, ou seja, a área mais profunda do assoalho oceânico, a luz solar é praticamente inexistente.

  • Pressão: A pressão desempenha papel de grande importância nas adaptações dos animais. Observa-se que até os 4000 m de profundidade muitos organismos apresentam uma mineralização mais intensa e concentrações de cálcio, calcário, carbonato, estrôncio, silicato e outros em sua estrutura corporal, desde óssea até exoesqueleto, e músculos com as chamadas bombas de cálcio. A partir dos 4000 m, muitos filos de animais deixam de existir como caranguejos, estrelas, ouriços e anêmonas, pois suas larvas são tão frágeis que não suportam a pressão. Vale destacar que a partir dessa profundidade as adaptações chegam ao nível molecular. Observamos que as cadeias proteicas dos organismos de áreas acima dos 4000 m são feitas por ligações peptídicas enquanto que abaixo dessa profundidade elas são compostas por ligações iônicas, pois elas se baseiam em forças eletrostáticas que a pressão não consegue quebrar.

  • Oxigênio: Apesar de não haver fotossíntese, o mar profundo é bem oxigenado, pois as correntes que banham essas zonas são ricas em oxigênio trazidos da superfície. Sendo assim, a grosso modo não existem zonas de anóxia (sem oxigênio) no mar profundo.

  • Salinidade: No mar profundo a salinidade não é um problema, ela mantém-se constante em basicamente todas as zonas.



COMO SE SUSTENTA O MAR PROFUNDO?


Para manutenção da vida nas áreas profundas existe uma série de processos oceanográficos que moldam o ecossistema, garantindo a produtividade. Se nessas áreas de mar profundo não existe luz, então não existe a produtividade primária? Na verdade, existe sim! A produtividade primária continua existindo pelo processo de quimiossíntese realizada por determinados organismos. Entretanto, a quimiossíntese não proporciona uma produção energética tão alta quanto a produção fotossintética.


Por tal fato, as relações ecológicas no mar profundo se baseiam mais intensamente no predatismo. Muitos organismos das zonas batial e abissal migram para águas mais rasas para se alimentar e depois voltam às profundezas, a exemplo o peixe remo Regalecus glesne Ascanius, 1772, enquanto que os animais da zona hadal não fazem essa migração. Isto refere-se exclusivamente aos peixes e vale ressaltar que, conforme aumenta-se a profundidade, as reações metabólicas tornam-se mais lentas, o que permite que estes animais tenham grandes intervalos de tempo entre cada refeição.


Nessas regiões os organismos apresentam distintas estratégias alimentares. Dentre as mais predominantes temos: suspensívora (alimenta-se de todo material em suspensão na água, como partículas e zooplâncton), detritívora (detritos que sedimentam ao fundo, às vezes grandes massas orgânicas), necrófaga (alimentam-se de cadáveres), por raspagem de substrato (raspam o substrato consumindo filmes bacterianos e microrganismos) e, por fim, a predação, que é praticada quase que exclusivamente pelos peixes que possuem capacidade de locomoção e podem buscar o alimento, enquanto as outras supracitadas são mais predominantes em organismos bentônicos.


É importante salientar que o sistema de mar profundo, de modo geral, depende da matéria orgânica produzida nas camadas rasas e que é trazida às profundidades pelas correntes e a sedimentação marinha. Ainda mais importante, o mar profundo é um complexo com diferentes microecossistemas, o que garante uma vasta biodiversidade. Podemos ver abaixo como esses animais se sustentam em diferentes áreas de mar profundo.



O desenho esquemático está dividido em 4 áreas que correspondem as fontes de alimento que chegam ao mar profundo. A primeira mostra ambiente de substrato duro na qual observa-se organismos sésseis como corais e poliquetas que se alimentam principalmente das pelotas fecais e sedimentos orgânicos produzidos principalmente pelo plâncton e que chegam a eles pelas correntes. A segunda já mostra para ambientes de substrato móvel, ou seja, mole, na qual a passagem de correntes é muito fraca então todo material vindo da superfície chega direto ao fundo alimentando principalmente vermes marinhos e estrelas do mar. A terceira é chamada de ambiente redutor sedimentar, ou simplesmente exudação fria, na qual uma fissura no assoalho oceânico libera sulfeto de hidrogênio, metano e outros elementos inorgânicos que permitem a alta produtividade primária naquela região e por se tratar de uma área que o calor do magma terrestre encontra a água, a temperatura é mais alta e os organismos nesta região fixam muito mais o carbonato de cálcio e calcáreo além de possuirem altas taxas metabólicas, logo mostra-se no esquema essas reações e a proliferação de organismos como ostras e poliquetos tubulares. Por fim as fontes hidrotermais que se baseia no mesmo princípio, mas a liberação do sulfeto de hidrogênio e metano é tão intensa que existe a formação de chaminés e que propicia uma comunidade semelhante à das exudações frias, mas compostas por outras espécies de poliquetos e moluscos que estão ali por conta da produtividade primária e temperatura alta.

A figura (clique aqui para ver maior) ilustra resumidamente as diferentes fontes de energia para os ambientes em profundidade no substrato móvel, no substrato fixo e nos ambientes quimiossintéticos. Ilustra-se também a diferença entre os produtos reduzidos de origem termogênica, como as fontes hidrotermais, em contraponto com os de origem biogênica, das fontes frias. Nas fontes frias, é um complexo de microorganismos que vai reduzir o sulfato da água do mar e oxidar o metano, para produzir sulfúrico de hidrogênio e dióxido de carbono necessários para os organismos quimiossintéticos. Fonte: Ana Colaço et. al, 2017 (p. 47) (CC BY-NC-SA 4.0).



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Bibliografia


CASTRO, P. As profundezas oceânicas: O mundo da escuridão perpétua. In: CASTRO, Peter. Biologia Marinha. 8. ed. Porto Alegre: Mc Graw Hill, 2012. Cap. 3. p. 40-58.


COLAÇO, A., CARREIRO e SILVA, M., GIACOMELLO, E., GORDO, L., VIEIRA, A., ADÃO, H., GOMES PEREIRA, J. N., MENEZES, G. & BARROS, I., (2017). Ecossistemas do Mar Profundo. DGRM, Lisboa, Portugal. E-book disponível em www.sophia-mar.pt.


GOMES, A. S. Mar profundo: Ambiente pelágica profundo. In: PEREIRA, Renato Crespo. Biologia Marinha. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Interciência, 2009. Cap. 1. p. 1-34.


WATLING, L.; GUINOTTE, J.; CLARK, M.R. & SMITH, C.R. A proposed biogeography of the deep ocean floor. Progress in Oceanography, v. 111, p. 91-112, 2013.


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