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Herpesvírus em tartarugas: uma doença crescente e preocupante

Atualizado: 3 de ago. de 2022

Autores: Raphaela Alt Müller, Fernanda Cabral Jeronimo, Thais R. Semprebom, Raphaela A. Duarte Silveira e Douglas F. Peiró



Foto de uma tartaruga verde submersa na água. O animal está em vista anterior e na região dos olhos, pescoço e nadadeira estão os tumores. Próximo ao animal estão quatro peixes e em segundo plano tem outros.

Tartaruga verde Chelonia mydas com diversos tumores causados pela fibropapilomatose. Essa tartaruga foi fotografada nas águas do Havaí, nos Estados Unidos. Fonte: Peter Bennett & Ursula Keuper-Bennett/Wikimedia Commons (CC BY 3.0).



As tartarugas marinhas são répteis que vivem no ambiente aquático, existindo apenas sete espécies desses animais no mundo. Além de passarem por diversos desafios durante a vida, elas precisam enfrentar uma doença que, a cada ano, torna-se mais comum: a fibropapilomatose.


A fibropapilomatose causa tumores benignos cutâneos (tumores que crescem na pele), que podem estar distribuídos em qualquer lugar do corpo do animal, tanto na parte externa quanto na parte interna. Uma das principais espécies de tartarugas afetadas por essa enfermidade são as tartarugas-verdes (Chelonia mydas). A existência desses tumores está associada a uma variação de herpesvírus, como o estudo “Análise quantitativa de sequências de herpesvírus de tecido normal e fibropapilomas de tartarugas marinhas com PCR em tempo real” evidenciou, onde 95% dos tumores estudados em tartarugas-verdes, tartarugas-cabeçudas Caretta caretta e tartarugas-olivas Lepidochelys olivacea tinham a presença do vírus.


Foto de uma tartaruga verde dentro da água. O animal está em vista lateral e embaixo do pescoço tem quatro peixes pequenos nadando junto.

Tartaruga verde saudável nas Ilhas Malvinas. Essa espécie de tartaruga é a mais acometida pela fibropapilomatose. Fonte: Marcello Rabozzi/Pixabay.



Por mais que os tumores benignos sejam considerados de pouca preocupação, o crescimento e a distribuição pelo corpo podem prejudicar a visão, locomoção, alimentação e flutuabilidade dos indivíduos. Eles podem se localizar no pescoço, nadadeiras, axilas, boca, órgãos internos e ao redor dos olhos, com tamanho que pode variar de alguns milímetros até trinta centímetros de diâmetro. Dependendo da localização, quantidade e tamanho, esses tumores podem levar o animal à morte.



TRANSMISSÃO HUMANA


São conhecidos mais de 100 tipos de herpesvírus que infectam animais invertebrados e vertebrados. A família Herpesviridae inclui os herpesvírus que contaminam mamíferos, répteis e aves. Mesmo pertencente à mesma família, os oito tipos virais de herpes humana não são os mesmos encontrados em tartarugas. O vírus associado à fibropapilomatose pertence à família Alphaherpesvirinae, e é conhecido como Herpesvírus tipo 5 (Chelonid alphaherpesvirus 5) (ChHV-5) e está presente apenas em tartarugas, não havendo nenhum relato de humanos contaminados. Vale ressaltar que a interação de seres humanos com animais selvagens não é recomendada.



TRANSMISSÃO ENTRE TARTARUGAS


Existem várias hipóteses sobre quando as tartarugas são infectadas pelo vírus. Após deixarem a praia em que nascem, as tartarugas passam muitos anos no oceano aberto antes de voltarem para as áreas próximas à costa, onde se alimentam e se desenvolvem. A fibropapilomatose é detectada principalmente em tartarugas mais imaturas e jovens; alguns estudos concluíram que as tartarugas se infectam após chegarem nas zonas mais rasas do oceano (zona nerítica) ainda jovens. Nesse ambiente foram encontradas diferentes variantes desse vírus e mais de um tipo estava presente em mais de uma espécie de tartaruga, ou seja, está ocorrendo transmissão intraespecífica (entre indivíduos da mesma espécie de tartarugas) e interespecíficas (entre espécies diferentes de tartarugas).


Outro estudo afirma que as sanguessugas marinhas da espécie Ozobranchus margoi, anelídeo da classe Hirudinea, podem ser um vetor importante na transmissão do herpesvírus. Esse animal é comumente visto parasitando tartarugas marinhas.


Foto de uma tartaruga verde na água. Na imagem aparece somente uma nadadeira, parte do casco em vista superior e o rabo. Apenas o rabo e o final da barbatana não estão acometidos pelos tumores.

Fibropapilomas na região posterior de uma jovem tartaruga verde. Essa tartaruga estava sendo tratada no Whitney Laboratory e Sea Turtle Hospital da Universidade da Flórida. Fonte: Carol Duffy/theconversation (CC BY-ND 4.0).



AUMENTO DA CONTAMINAÇÃO


O vírus (ChHV-5) é encontrado ao redor de todo o mundo e muitas tartarugas são portadoras do herpesvírus mas, na maior parte do tempo, ele se encontra adormecido, muito semelhante ao herpesvírus encontrado em humanos. O primeiro relato da fibropapilomatose aconteceu há 70 anos, ou seja, o que pode estar causando o aumento dos índices dessa doença, já que este vírus está presente nas tartarugas há tanto tempo?


Ambientes com condições estressantes podem desencadear o aumento dessa doença e a temperatura é um desses fatores. Um estudo realizado em 1977 comprovou que o aumento da temperatura da água faz com que diminua o tempo de apresentação dos tumores e aumente a gravidade das lesões provocadas pela fibropapilomatose.


Outro estudo relacionou o alto nível de nitrogênio com elevados índices da doença. Quando em equilíbrio, as algas sequestram esse nitrogênio e dão continuidade ao ciclo biogeoquímico natural, porém, o excesso de nitrogênio nas algas, causado pelo uso de fertilizantes e pela queima de combustíveis fósseis, faz com que as algas transformem esse excesso em arginina (aminoácido). Ao se alimentar dessas algas, as tartarugas ingerem uma grande quantidade deste composto, que está envolvido na inflamação das células e disfunção imune. Para piorar, a arginina é um aminoácido extremamente importante para o herpesvírus, pois estimula a replicação do vírus, o que é essencial para sua sobrevivência dentro do hospedeiro.



IMPACTOS AMBIENTAIS


Muitas pesquisas estão sendo desenvolvidas para identificar a origem da doença, porém, uma afirmativa é certa: os impactos ambientais causados pelos seres humanos é um fator determinante para o aumento de casos. O estresse causado pela atividade antrópica está ligado à ativação desse vírus que, em outras circunstâncias, deveria ficar adormecido. O acúmulo de impactos ambientais está diminuindo a biodiversidade por todos os cantos do mundo e a incidência de casos é muito maior nas áreas costeiras poluídas e com alta densidade humana.



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Bibliografia


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