Autores: Lucas Garcia Martins, Mariana P. Haueisen, Thais R. Semprebom e Douglas F. Peiró
As condições ambientais pareciam apontar para a improvável existência de corais na região de desembocadura do Rio Amazonas. Devido à grande descarga de sedimentos e aporte fluvial vindo da água doce as águas são mais turvas e a fotossíntese necessária para os corais estaria comprometida.
Contudo, pesquisadores encontraram pistas no local – um grande depósito de carbonato de cálcio, peixes recifais e poríferos – que refutam a hipótese e sugerem a existência de corais nesta região, contrariando expectativas de pesquisadores do mundo todo e enchendo a comunidade científica de dúvidas. Afinal, existe ou não um recife e onde ele está exatamente? Vamos lhes contar agora!
Registros fotográficos feitos durante expedição no litoral Amazônico. Em A um porífero (esponja do mar); em B um fragmento de Octocorallia (coral pétreo); em C um Rodólito (aglomerado de algas vermelhas que secretam calcário e carbonato de cálcio3) e em D um peixe-borboleta, típico habitante de recifes de corais. Fonte: Wesley Assunção da Costa & Lucas Garcia Martins, 2019 ©
OS CORAIS DA AMAZÔNIA ESTÃO NA ÁGUA DOCE OU SALGADA, AFINAL?
É bastante comum que a primeira imagem que vem à mente, quando falamos sobre a Amazônia, seja a da floresta e da bacia hidrográfica amazônicas. No entanto, a Amazônia em que estão os corais é a chamada Amazônia Azul, que refere-se ao litoral da região norte do Brasil sobre a plataforma continental.
Mapa mostrando distribuição dos corais da Amazônia baseado em estudo feito na região.
Fonte: Philip Terry Graham/Wikimedia Commons (CC0)
A região de distribuição desse recife de corais está a cerca de 100 km do litoral, com cerca de 900 km de extensão, da Guiana Francesa até o Maranhão, e com um complexo ecossistema constituído de espongiários das Classes Hexactinellida (espículas de sílica), Calcarea (espículas de calcário) e Demospongiae (espículas de silício e esponjinha), além de grande riqueza de rodólitos e algas calcárias, que são principais bioconstrutores de ambientes recifais devido à adição de carbonato de cálcio ao leito marinho, o que permite a fixação das larvas de corais, esponjas, moluscos e demais organismos bioconstrutores.
RECIFE OU NÃO RECIFE, EIS A QUESTÃO
Dentro da comunidade científica ainda é controversa a definição para os recifes de corais. Uma das mais aceitas é que todo recife se trata de um ecossistema com grande depósito de carbonato de cálcio (CaCO3) orgânico advindo da atividade de organismos bioconstrutores, que são aqueles capazes de produzir e secretar calcário, carbonato e silício - os maiores exemplos são os corais duros, as algas calcárias, esponjas duras e moluscos. Estes animais cimentam o leito marinho e, como dito acima, permitem que as larvas se fixem e se desenvolvam. Os corais são os principais organismos formadores de recifes e precisam de um ambiente estável e com alta radiação solar para que as algas que vivem dentro deles – zooxantelas – possam realizar a fotossíntese.
Grande barreira de corais. Observa-se um ambiente raso, com águas transparentes e bastante radiação solar para a fotossíntese das zooxantelas. Fonte: Gaby Stein/Pixabay
Contudo, os corais da Amazônia fogem a esta definição, o que o consagrou como o Recife Improvável. Ele possui o grande depósito de CaCO3 advindo das esponjas, rodólitos, algas calcárias e corais, no entanto, eles estão localizados próximo à região de desembocadura do Rio Amazonas. Devido ao encontro de água doce e salgada, existe variação da salinidade e pH da água o que, normalmente, os outros corais não toleram.
Devido à ausência de zooxantelas nos corais da Amazônia, sua distribuição vertical é diferenciada. Enquanto nos outros recifes normalmente estão distribuídos numa faixa de até 40 metros de profundidade, os corais da Amazônia são encontrados de 35 até 130 metros de profundidade.
Além disso, a luminosidade é baixa devido à descarga de sedimentos, o que comprometeria a fotossíntese. Entretanto, o que se observa é que muitos corais não possuem as zooxantelas (com capacidade fotossintética), mas sim outras microalgas associadas, que são quimiossintetizantes. Essas algas encontraram grande sucesso na região devido ao aporte de nutrientes, carcaças e sedimentos em decomposição, que disponibilizam elementos inorgânicos para a conversão em orgânicos, garantindo a produtividade primária e, principalmente, permitiram a formação desse recife improvável e com características únicas.
É importante destacar também que, de maneira geral, os corais não dependem exclusivamente das microalgas, eles se alimentam também de todo material em suspensão e plâncton que passa pelos seus pólipos. Sabe o que mais é incrível nos Corais da Amazônia? A distribuição deles é dada na área de passagem de uma corrente marítima, a ramificação da Corrente Norte do Brasil, e esta corrente é quem traz tanto alimento para os corais se manterem.
Pólipos de corais no aquário do Museu de Coleções em Ciências Naturais na Universidade Federal Rural da Amazônia. Fonte: Lucas Garcia Martins, 2019 ©
Agora sabemos que se trata de um recife e, mais do que isso, um ecossistema único que é de suma importância para a manutenção da vida marinha e sustento da produção pesqueira da região. Contudo, ainda existem desafios a serem vencidos, como a carência de estudos desse ambiente frente à ameaça da extração de petróleo, que comprometeria em larga escala os animais e os estoques pesqueiros da região.
Em síntese, essas ameaças potenciais podem, com o tempo, gerar severos prejuízos à natureza e, consequentemente, aos seres humanos, principalmente às populações tradicionais que dependem da subsistência costeira. Por isso, é necessário que mais pessoas saibam dessa riqueza e importância para o ambiente marinho. Seja alguém que luta conosco pelos ambientes marinhos!
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Bibliografia
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