1 de jan de 20225 min
Atualizado: 1 de abr de 2022
Autores: Lucas Rodrigues da Silva, Fernanda Cabral Jeronimo, Thais R. Semprebom e Mariana P. Haueisen
Oreaster reticulatus é uma espécie de estrela-do-mar, com distribuição do litoral do estado do Amapá até o litoral norte de Santa Catarina. Além disso, pode ser encontrada em outras partes do mundo. Seu exoesqueleto pode ser utilizado em rituais religiosos e como itens decorativos. Fonte: (A) James St. John/Wikimedia Commons (CC BY 2.0) e (B) Michela Borges/Banco de Imagens Cifonauta (CC BY-NC-SA 3.0).
O USO DE ANIMAIS SILVESTRES NO ZOOARTESANATO E EM RITUAIS RELIGIOSOS
A utilização de animais em rituais religiosos não é um tema novo e vem sendo praticado desde a antiguidade. Geralmente, está ligada ao fácil acesso aos habitats dos animais, crenças religiosas e à dependência financeira que este tipo de comércio proporciona. Espécies marinhas de diversos filos sofrem cada vez mais com essas coletas indevidas (redução populacional, podendo causar a extinção da espécie, por exemplo) e, além dos fatores citados anteriormente, a falta de informação científica faz com que a situação se agrave, visto que a eficácia dessas práticas não são comprovadas cientificamente.
A Oreaster reticulatus, estrela-do-mar, é uma das espécies animais ameaçadas pela coleta ilegal. Ela vive em águas rasas e tranquilas. O exoesqueleto do animal é utilizado em rituais religiosos e artesanatos de diversos fins. Por ser um animal encontrado em águas rasas e calmas, sua coleta é facilitada. Segundo o Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção, essa espécie corre o risco de ser extinta, pois está caracterizada como vulnerável.
A comercialização de moluscos (conchas), cavalos-marinhos (animal inteiro) e raias (pedaço da cauda) também foram registradas com diversos fins, desde “previsão do futuro” até “atração de dinheiro”. A permanência dessa prática só reforça a importância dos programas de conservação, da educação ambiental, da divulgação científica e de uma fiscalização ostensiva visando à diminuição desse comércio.
Uma das alternativas para o zooartesanato é a utilização das conchas dos animais que são coletados para fins alimentícios, desde que a coleta seja sustentável. Assim, o pescador consegue obter recursos financeiros de diversos meios, com a mesma fonte. Fonte: Squirrel_photos/Pixabay.
O artesanato é a produção artesanal de qualquer objeto que possa ser comercializado. Sua construção deve ser predominantemente manual, com a utilização de equipamentos simples e de matéria prima local ou regional. O local de produção geralmente é na casa do próprio produtor, em pequenas oficinas ou em cooperativas.
Caracterizam-se como zooartesanato os artesanatos que utilizam animais ou parte deles em sua composição. Assim como o uso de animais silvestres em rituais religiosos, o zooartesanato faz parte do cotidiano e da cultura de diversos povos, que encontram nestas atividades um meio de se conectar com a natureza e de subsistência (ainda que agrida o meio ambiente). Se analisarmos em pequena escala, com poucos produtores, o impacto pode parecer mínimo. Porém, quando elevamos a escala dessa produção (grandes indústrias ou produtores artesanais atuando no mesmo local, por exemplo) o estrago pode ser maior. Por isso, essas atividades devem ser repensadas e gradualmente substituídas.
TRÁFICO DE ANIMAIS SILVESTRES
Entende-se como animais silvestres, ou selvagens, todos os animais não domesticados, originados da natureza. De modo geral, comércio ilegal e tráfico são a mesma coisa e podem ser estimulados com a compra, venda e captura desses animais. Junto com a introdução de espécies exóticas e degradação dos habitats, o tráfico de animais é um fator agravante na diminuição da riqueza de espécies de um ambiente. Tanto animais terrestres quanto aquáticos estão sujeitos ao comércio ilegal. Porém, a finalidade da coleta desses organismos pode variar: coletas para fins mágicos-religiosos e para zooartesanatos.
PERFIL SOCIOECONÔMICO DA POPULAÇÃO ENVOLVIDA COM ZOOARTESANATO
Mesmo com os pontos negativos citados anteriormente, o zooartesanato com animais marinhos se estabelece predominantemente em regiões costeiras, como fonte de renda principal ou alternativa dos artesãos. Em uma pesquisa no Estado de Pernambuco, a produção dos zooartesanatos mostrou-se como fonte principal de renda dos artesãos, o que sugere, ainda, dependência desse meio para o sustento dessas famílias. Outro fator importante para se ressaltar é a falta de informação sobre a legislação. Ao serem questionados, os entrevistados não demonstraram nenhum conhecimento sobre o Decreto Estadual (Dezembro de 1999, Nº 21.972) vigente, que proíbe a extração de fauna e flora na zona de recifes e plataforma continental de todo o litoral sul de Pernambuco (incluindo coleta, transporte e comercialização de peixes ou outros organismos com características ornamentais).
Para que o zooartesanato seja reduzido, o diálogo entre o poder público e os artesãos deve ser claro, visando ao equilíbrio entre meio ambiente e economia local, com alternativas para substituir essa fonte de renda. O mesmo se aplica aos comerciantes que vendem os animais que são utilizados para fins religiosos. Vale ressaltar que o Instituto de Biologia Marinha Bióicos respeita todas as populações tradicionais e religiões, porém, práticas que agridem o ambiente marinho devem ser repensadas para que as ações humanas não alterem o funcionamento dos ecossistemas, do qual toda a vida na Terra depende.
Exemplos de artesanatos na Feira de Caruaru, em Pernambuco, que não utilizam seres vivos em sua fabricação. Talvez essa seja uma das alternativas para substituir o zooartesanato. Fonte: Edudgarcia/Wikimedia Commons (CC BY 4.0).
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