1 de jun de 20229 min

Tartarugas marinhas: diferentes formas de identificação de espécies

Atualizado: 2 de set de 2022

Autores: Aline Pereira Costa, Fernanda Cabral Jeronimo, Thais R. Semprebom, Raphaela A. Duarte Silveira e Douglas F. Peiró

Filhote de Chelonia mydas – podem ser identificados pelas quatro placas laterais na carapaça e plastrão branco. Fonte: Luhur wi/Wikimedia Commons (CC BY-SA 4.0).

Distribuídas por toda região tropical e subtropical, atualmente existem sete espécies de tartarugas marinhas, sendo que cinco delas ocorrem ao longo do litoral brasileiro. Algumas são muito semelhantes, mas cada espécie, e até mesmo cada indivíduo de tartaruga marinha, apresenta características morfológicas externas (aspectos da aparência externa) diferentes entre si.

A identificação de uma espécie de tartaruga marinha pode ser feita por observações da morfologia externa, pelo rastro que elas deixam na areia quando sobem à praia para nidificarem (neste caso realiza a identificação das fêmeas, visto que apenas elas sobem à praia) e também por informações genéticas.

Uma forma de identificação que tem sido cada vez mais usada é a fotoidentificação, porém esse método é mais utilizado na identificação de indivíduos de tartarugas marinhas dentro de uma população, já que cada indivíduo possui marcas únicas (analogamente às impressões digitais dos seres humanos). Esta metodologia foi desenvolvida por Gail Schofield (2008) na Grécia e por Clair Jean (2010) na França, e tem por finalidade identificar o indivíduo por meio dos registros fotográficos de sua cabeça, uma vez que cada indivíduo possui marcas únicas na cabeça (formato de suas placas). O formato das placas e posição não se repetem, o que torna possível o monitoramento fotográfico dos indivíduos desde seu nascimento.

IDENTIFICAÇÃO POR CARACTERÍSTICAS MORFOLÓGICAS

A identificação das espécies utilizando como referência as características morfológicas do animal é realizada a partir de observações das placas (ou escudos) laterais da carapaça; do número de placas pré-frontais e pós-orbitais presentes na cabeça; do formato do corpo e da mandíbula (bico) e a presença ou ausência de unhas nas nadadeiras.

Ilustração representativa em vista dorsal de uma tartaruga marinha, com a localização das placas centrais, laterais e placas marginais, além da presença da unha. Fonte: © 2021 Douglas Cabral/Instituto Bióicos.

A carapaça de uma tartaruga é dividida em placas centrais (nucal, vertebral e supracaudal), placas laterais (ou costais) e placas marginais. A identificação de uma espécie de tartaruga marinha é realizada principalmente pela observação das placas laterais, onde as placas são numeradas no sentido anterior para posterior.

As escamas queratinizadas da cabeça também são utilizadas para identificação, sendo as principais as escamas pré-frontais e laterais. As escamas pré-frontais ocorrem aos pares, já as escamas laterais, também conhecidas por pós-orbitais, podem variar na forma e quantidade, mas não em sua posição. São escamas que apresentam variações individuais, sendo usadas na identificação de indivíduos de tartarugas marinhas de uma mesma espécie.

Ilustração representativa da cabeça de uma tartaruga marinha. Em verde, as escamas pré-frontais, e em azul, as escamas pós-orbitais. Fonte: © 2021 Douglas Cabral/Instituto Bióicos.

O formato do bico das tartarugas marinhas também apresenta diferenças, e está relacionado à dieta de cada espécie. Já o formato do corpo pode variar quanto ao comprimento, à largura ou à altura da carapaça, além da variação nas placas dérmicas queratinizadas, exceto na tartaruga-de-couro, em que não há placas dérmicas queratinizadas, mas quilhas. As unhas presentes nas nadadeiras podem variar conforme a espécie.

Identificação de cada espécie de acordo com as características morfológicas

- Tartaruga-verde: Chelonia mydas (Linnaeus, 1758)

Possui carapaça oval e quatro pares de placas laterais justapostas. O plastrão possui quatro escudos inframarginais sem poros. A cabeça é pequena, com um par de placas pré-frontais, e o bico é serrilhado. Sua dieta é onívora quando filhote e herbívora quando adulta. Possui uma unha em cada nadadeira anterior.

Os adultos têm carapaça em cúpula alta e a cor varia de verde claro a escuro com manchas escuras, enquanto o plastrão é branco. A carapaça dos filhotes recém-nascidos é de cor preta/marrom-escuro na carapaça, enquanto a margem da carapaça e o plastrão são brancos.

Ilustração representativa das características morfológicas da tartaruga-verde Chelonia mydas. (A) carapaça com destaque dos quatro pares de placas laterais; (B) cabeça com destaque no par de placas pré-frontais (verdes) e pós-orbitais (azuis); (C) bico e (D) plastrão com destaque para os quatro escudos inframarginais sem poros. Fonte: © 2021 Douglas Cabral/Instituto Bióicos.

- Tartaruga-oliva: Lepidochelys olivacea (Eschscholtz, 1829)

Apresenta carapaça circular e assimétrica com seis ou mais pares de placas laterais. O plastrão possui quatro escudos inframarginais com poros. Sua cabeça é pequena, com dois pares de placas pré-frontais, e as mandíbulas são fortes. Sua dieta é carnívora, alimentando de peixes, moluscos, crustáceos e água-viva. Podem apresentar uma unha nas nadadeiras anteriores e uma ou duas nas nadadeiras posteriores.

O adulto dessa espécie possui carapaça circular com cor verde-acinzentada, enquanto o plastrão é branco. Já o filhote recém-nascido possui cor preta e cinza dorsal e ventralmente.

Ilustração representativa das características morfológicas da tartaruga-oliva Lepidochelys olivacea. (A) carapaça com destaque nos seis (ou mais) pares de placas laterais; (B) cabeça com destaque nos dois pares de placas pré-frontais; (C) bico sem formato específico e (D) plastrão com quatro escudos inframarginais com poros. Fonte: © 2021 Douglas Cabral/Instituto Bióicos.

- Tartaruga-de-pente: Eretmochelys imbricata (Linnaeus, 1766)

Sua carapaça é oval e suas placas se sobrepõem (por isso o termo “embricada”), possui quatro pares de placas laterais. O plastrão possui quatro escudos inframarginais sem poros. A cabeça apresenta dois pares de placas pré-frontais e o bico se assemelha ao bico de gavião, o que facilita a alimentação nas fendas dos recifes de corais. Sua dieta é composta por esponjas, anêmonas, lulas e camarões. Possuem duas unhas em cada nadadeira.

O adulto apresenta carapaça com as escamas sobrepostas de cor castanha com padrões bem característicos no marrom, enquanto seu plastrão costuma ser amarelo/branco; já os filhotes recém-nascidos apresentam a cor marrom-escura.

Ilustração representativa das características morfológicas da tartaruga-de-pente Eretmochelys imbricata. (A) carapaça com destaque nos quatro pares de placas laterais que se sobrepõem; (B) cabeça formada por dois pares de placas pré-frontais; (C) bico semelhante ao de um gavião e (D) destaque para o plastrão com quatro escudos inframarginais sem poros. Fonte: © 2021 Douglas Cabral/Instituto Bióicos.

- Tartaruga-cabeçuda: Caretta caretta (Linnaeus, 1758)

Sua carapaça possui cinco pares de placas laterais. O plastrão possui três escudos inframarginais sem poros. Apresenta o tamanho da cabeça desproporcional a seu corpo (por isso é conhecida como tartaruga-cabeçuda), dois pares de escamas pré-frontais e uma escama interfrontal. A mandíbula é larga e forte, o que possibilita uma dieta carnívora, baseada em crustáceos e moluscos. As nadadeiras dianteiras apresentam duas unhas e as nadadeiras traseiras, de duas a três unhas.

Os adultos possuem a carapaça mais longa que larga e sua cor é marrom, enquanto o plastrão é amarelo-claro. Já o filhote recém-nascido apresenta carapaça marrom-escura e seu plastrão é escuro.

Ilustração representativa das características morfológicas da tartaruga-cabeçuda Caretta caretta. (A) carapaça com destaque nos cinco pares placas laterais; (B) cabeça com destaque nos dois pares de placas pré-frontais; (C) bico largo e forte e (D) destaque para o plastrão com três escudos inframarginais sem poros. Fonte: © 2021 Douglas Cabral/Instituto Bióicos.

- Tartaruga-de-casco-achatado: Natator depressus (Garman, 1880)

Conhecida como tartaruga-de-casco-achatado, devido seu casco ter o formato de uma cúpula baixa, um formato mais achatado que das demais espécies, além de suas bordas serem viradas para cima. Sua carapaça possui quatro pares de placas laterais. O plastrão possui quatro escudos inframarginais sem poros. A cabeça é mais arredondada e possui um par de escamas pré-frontais. O bico é curto e largo, adaptado a uma dieta carnívora, alimentando de moluscos, cnidários e crustáceos. Apresentam uma unha em cada nadadeira.

O adulto desta espécie possui a carapaça com cor que varia entre os tons de cinza, enquanto o plastrão é amarelo. O filhote tem a cor verde-oliva com a margem das placas preta e o plastrão branco.

Ilustração representativa das características morfológicas da tartaruga-de-casco-achatado Natator depressus. (A) carapaça possui por quatro pares placas laterais; (B) cabeça possui um par de placas pré-frontais; (C) bico curto e largo e (D) plastrão com quatro escudos inframarginais sem poros. Fonte: © 2021 Douglas Cabral/Instituto Bióicos.

- Tartaruga-de-Kemp: Lepidochelys kempii Garman, 1980

Conhecida por Kemp’s ridley, a tartaruga-de-kemp é a menor das espécies de tartarugas marinhas. Sua carapaça é quase redonda e possui cinco pares de placas laterais, mas podemos encontrar indivíduos com quatro ou seis placas. O plastrão possui quatro escudos inframarginais com poros.

A cabeça é subtriangular e possui dois pares de escamas pré-frontais, sua mandíbula possui a forma de um bico largo e sua dieta é onívora, geralmente composta por moluscos, crustáceos, cnidários e algas. Apresentam uma unha em cada nadadeira.

Os adultos possuem uma carapaça mais redonda, sendo o dorso acinzentado e o plastrão branco ou amarelo. Os filhotes recém-nascidos possuem uma carapaça mais longa, sendo pretos quando molhados, porém essa característica muda significativamente com a idade e o plastrão é branco.

Ilustração representativa das características morfológicas da tartaruga-de-kemp Lepidochelys kempii. (A) carapaça composta por cinco pares de placas laterais; (B) cabeça formada por dois pares de placas pré-frontais; (C) bico largo e (D) plastrão com quatro escudos inframarginais com poros. Fonte: © 2021 Douglas Cabral/Instituto Bióicos.

- Tartaruga-de-couro: Dermochelys coriacea (Vandelli, 1761)

A tartaruga-de-couro é uma espécie de fácil identificação, pois sua carapaça não apresenta placas queratinizadas, mas sete quilhas longitudinais (o que auxilia na hidrodinâmica), semelhante ao couro (por isso tartaruga-de-couro). Além disso, apresenta bico em forma de “W”, o que possibilita a captura de animais gelatinosos, que fazem parte da sua dieta, como as águas-vivas. Não possuem unhas nas nadadeiras e seu plastrão não possui escudos.

Os adultos apresentam a carapaça longa e pontiaguda na parte terminal, preta com manchas brancas, enquanto os filhotes apresentam cor preta com manchas brancas nas quilhas da carapaça e também no plastrão.

Ilustração representativa das características morfológicas da tartaruga-de-couro Dermochelys coriacea. (A) carapaça com sete quilhas longitudinais (representado pelas linhas verdes); (B) cabeça sem a presença de escamas e bico em forma de ”W”; (C) plastrão sem a presença de escudos. Fonte: © 2021 Douglas Cabral/Instituto Bióicos.

IDENTIFICAÇÃO PELO RASTRO

Na identificação por meio dos rastros é levado em consideração o estilo e largura do rastro; as marcas das nadadeiras posteriores e anteriores; o rastro do plastrão e cauda. Estas marcas são deixadas na areia no momento em que as fêmeas adultas e fecundadas saem da água para nidificar. Vale salientar que em alguns locais do mundo, como na Ilha de Oahu no Havaí, tartarugas marinhas saem da água sem a finalidade de nidificar; aparentemente sobem para descansar e se aquecer ao Sol na areia da praia (Douglas F. Peiró, observação pessoal).

As tartarugas marinhas apresentam dois estilos de rastros. O primeiro é o ‘’rastro de peito”, onde as marcas das nadadeiras estarão lado a lado. Neste tipo de rastro, a tartaruga se arrasta pela areia puxando com as duas nadadeiras ao mesmo tempo, com isso seus rastros apresentam marcas alinhadas retas dos pares de nadadeiras (semelhante à marca de um pneu de escavadeira). Já o outro estilo é conhecido por “rastro alternado”, onde as marcas das nadadeiras estão alternadas. Neste caso, as tartarugas puxam a areia com uma nadadeira de um lado, depois puxam do outro. Consequentemente, o rastro se apresenta em formas de vírgula que não se alinham.

Ilustração representativa dos estilos de rastros deixados nas praias pelas tartarugas marinhas. Do lado esquerdo, a representação do ‘rastro de peito’; à direita, o ‘rastro alternado’. Fonte: © 2021 Douglas Cabral/Instituto Bióicos.

Identificação de cada espécie de acordo com o rastro das fêmeas em período reprodutivo, deixado na praia

- Tartaruga-verde Chelonia mydas

Seu estilo de rastro é o de peito, onde as marcas das nadadeiras estão dispostas lado a lado; a largura do rastro é de 100 a 130 cm.

- Tartaruga-de-couro Dermochelys coriacea

Assim como a tartaruga-verde, a tartaruga-de-couro apresenta o rastro de peito e a largura do rastro é de aproximadamente 2 metros.

- Tartaruga-oliva Lepidochelys olivacea e Tartaruga-de-pente Eretmochelys imbricata

Tanto a tartaruga-oliva quanto a tartaruga-de-pente possuem rastro alternado e a largura do rastro é entre 70 a 85 cm. O que vai diferenciar o rastro entre essas espécies é o formato das marcas das nadadeiras, do plastrão e da cauda deixados na areia.

Ilustração representativa dos tipos de rastros deixados nas praias pelas espécies: tartaruga-de-pente, tartaruga-de-couro, tartaruga-verde e tartaruga-oliva. Todas com as respectivas larguras do rastro. Fonte: © 2021 Douglas Cabral/Instituto Bióicos.

- Tartaruga-cabeçuda Caretta caretta

A tartaruga-cabeçuda também possui rastro alternado, porém a largura do seu rastro é menor que 1 metro e não apresenta marca de rastro da cauda.

- Tartaruga-de-casco achatado Natator depressus

A tartaruga-de-casco-achatado possui o rastro de peito, sendo a largura do seu rastro entre 90 a 100 cm e apresenta o rastro da cauda.

- Tartaruga-de-Kemp Lepidochelys kempii

Tartaruga-de-kemp possui o rastro alternado e não apresenta o rastro da cauda. O rastro tem a largura de 70 a 80 cm.

Ilustração representativa dos tipos de rastros deixados nas praias pelas espécies: tartaruga-cabeçuda, tartaruga-de-casco achatado e pela tartaruga-kemp. Todas com as respectivas larguras do rastro. Fonte: © 2021 Douglas Cabral/Instituto Bióicos.

Por mais que as tartarugas se assemelhem devido ao seu padrão corporal, se observamos um conjunto de determinadas características, podemos com facilidade identificar as diferentes espécies presentes no mundo.

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Bibliografia

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