15 de jan de 20184 min

Manguezal: um berçário de vida marinha

Atualizado: 6 de out de 2021

Autores: Julia R. Salmazo, Thais R. Semprebom, Rodrigo Ilho e Douglas F. Peiró

Alunos da Bióicos em aula prática no manguezal, em dezembro de 2017. Fonte: Eduardo Donato ©.

RIO OU MAR? MARINHO OU TERRESTRE?

Os manguezais, assim como os costões rochosos e as praias arenosas, são considerados ecossistemas costeiros de transição entre o ambiente terrestre e o ambiente marinho.

Eles estão localizados comumente nos estuários, ou seja, desembocaduras dos rios nos mares, e nas margens de lagunas, enseadas, baías e reentrâncias costeiras, onde a água doce dos rios se encontra com a água salgada do mar.

Ocorrem caracteristicamente nas regiões tropical e subtropical e, no Brasil, se distribuem desde a foz do rio Oiapoque, no Amapá, até a cidade de Laguna, em Santa Catarina.

Por estarem associados às áreas de transição entre o rio e o mar, os manguezais estão fortemente sujeitos às subidas e descidas das marés: quando a maré está baixa, o rio corre para o mar e a salinidade na região estuarina é menor; quando a maré sobe, o mar invade o rio e o transborda, alagando todo o ambiente e tornando-o mais salino. A água salgada do mar, misturada com a água doce do rio, resulta na água salobra, que possui condições físico-químicas diferenciadas (mais salgada que a do rio e menos salgada que a do mar) e banha o manguezal até que a maré baixe novamente. Assim, forma-se um gradiente: água doce mais próxima ao rio, salgada mais próxima ao mar e salobra na transição entre os dois. Desta forma, o solo do manguezal é frequentemente inundado e drenado todos os dias, o que gera uma grande variação na salinidade.

Mas o manguezal não sofre influência apenas do mar, os rios também têm papel muito importante na sua formação, já que carreiam grande quantidade de matéria orgânica e sedimentos que se acumulam nos estuários e formam o substrato lamacento do manguezal. Devido à grande quantidade de matéria vegetal e animal que entra em decomposição, o solo é muito rico em nutrientes, mas muito pobre em oxigênio (chamado de hipóxico).

As bactérias que fazem a decomposição da matéria orgânica são anaeróbicas, ou seja, não usam oxigênio e liberam outros gases nesse processo, como o gás sulfídrico (ou sulfeto de hidrogênio). É por isso que o manguezal tem aquele cheiro tão característico de enxofre.

Animação mostrando os efeitos das variações da maré em uma área alagável, da qual o manguezal é um exemplo. Na maré baixa, o rio corre para o mar. Conforme a maré sobe, o mar invade o rio e transborda, inundando o manguezal. Fonte: National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA)(Domínio Público).

Depois de todas essas informações, você pode estar se perguntando…

… COMO É QUE UM AMBIENTE TÃO SALINO E HIPÓXICO PODE SER UM BERÇÁRIO DE VIDA?

Para viver nesse ambiente de substrato inconsolidado (lamacento), hipersalino, hipóxico e constantemente inundado, os organismos apresentam importantes adaptações, principalmente as plantas típicas, que são chamadas de mangues.

Atenção, não confunda: manguezal é o ecossistema, mangues são as plantas características desse ambiente!

Três gêneros principais e característicos de mangues habitam os manguezais do Brasil: o mangue-vermelho (Rhizophora sp.), o mangue-preto (Avicennia sp.) e o mangue-branco (Laguncularia racemosa). Existem ainda outros gêneros e espécies que ocorrem nos manguezais e em áreas de transição com outros ambientes, e inclusive espécies que não são exclusivas dos manguezais, mas também podem ser encontradas neles, como algumas epífitas. Os mangues e plantas típicas de manguezal são conhecidas como plantas halófitas, pois vivem em ambientes salinos e/ou salobros. Para conseguir esse feito, elas possuem, como adaptações, sistemas que expulsam o excesso de sal de seus organismos ou impedem sua entrada.

Excesso de sal eliminado de folha de mangue-preto (Avicennia sp.), através de suas glândulas. Esse é um dos mecanismos que as plantas típicas de manguezal possuem. Fonte: Ulf Mehlig/WikimediaCommons (CC BY-SA 2.5).

Elas também possuem adaptações para se fixar no substrato lamacento e para retirar oxigênio diretamente do ar, já que esse gás é quase inexistente no solo. Essas adaptações determinam, inclusive, um padrão de zonação horizontal na distribuição dessas plantas. Mais perto da água e de solos menos compactos encontra-se o mangue-vermelho, que tem raízes-escora para se sustentar. Adentrando o manguezal, encontra-se o mangue-preto, que possui raízes aéreas que auxiliam na respiração, captando oxigênio do ar, chamadas de pneumatóforos. Já na região que é inundada por curtos períodos, apenas nas marés mais altas, observa-se a predominância do mangue-branco, cujos pneumatóforos são menos desenvolvidos e em menor quantidade.

Raízes-escora típicas de mangue-vermelho (Rhizophora sp.), acima, e pneumatóforos típicos de mangue-preto (Avicennia sp.), abaixo. Fonte: Heris Luiz Cordeiro Rocha/WikimediaCommons (CC BY-SA 3.0) e Mural Nativo/WikimediaCommons (CC BY-SA 4.0), respectivamente.

As raízes, muito características dos mangues, têm outras funções importantes, já que ajudam a reter a matéria orgânica e os sedimentos transportados pela água. Além disso, elas ainda servem de abrigo para um grande número de animais, que utilizam o manguezal para reprodução ou em pelo menos uma fase do seu ciclo de vida.

Nos diferentes nichos criados pelos mangues, encontram-se animais como o siri-azul, o camarão-rosa, robalos, tainhas e manjubas no meio aquático; minhocas, poliquetas, caramujos, mariscos, ostras e caranguejos, como o caranguejo-uçá e o guaiamum, vivendo no substrato; e moluscos como ostras e teredos vivendo na vegetação.

O mangue também é muito importante para o peixe-boi marinho, que o utiliza tanto para reprodução quanto para alimentação.

Caranguejo-uçá (Ucides cordatus) pegando uma folha de Rhizophora mangle. Fonte: Ulf Mehlig/WikimediaCommons (CC BY-SA 2.5).

Desta forma, apesar da diversidade de flora ser baixa, dominada por poucas espécies de plantas, a fauna do manguezal é muito rica. Sua produtividade, inclusive, é bem alta, e muitas das espécies são de importância até mesmo para a alimentação humana.

E não é “só” por isso que o manguezal é tão importante, não! Nos próximos artigos dessa revista você poderá entender mais a fundo os atributos e funções ecológicas que esse ecossistema tão relevante e os demais possuem!
 

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Bibliografia

ALVES, J. R. P. (Org.). Manguezais: educar para proteger. Rio de Janeiro: FEMAR: SEMADS, 2001. 96 p.

CORREIA, M. D.; SOVIERZOSKI, H. H. Ecossistemas marinhos: recifes, praias e manguezais. Maceió: EDUFAL, 2005. 55 p. [Conversando sobre ciências em Alagoas].
 

GERLING, C.; RANIERI, C.; FERNANDES, L.; GOUVEIA, M. T. J.; ROCHA, V. (Orgs.). Manual de Ecossistemas Marinhos e Costeiros para Educadores. Santos: Editora Comunicar, 2016. [Rede Biomar].
 

O Ecossistema Manguezal. Disponível em: <http://ecologia.ib.usp.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=70&>. Acesso em: 26 dez. 2017.
 

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